terça-feira, fevereiro 01, 2005

«A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA»

Terá o ex-Ministro da Justiça, o Dr. Paulo Tchipilika, condições políticas de integridade e independência para exercer o cargo?
Durante a semana que findou, foi publicada uma notícia que dá conta da hipotética indicação, pelo MPLA, do senhor Dr. Paulo Tchipilika, ex-ministro da Justiça, para o cargo de Provedor de Justiça; O que, a ser verdade, não deixa de ser inquietante e problemático se tivermos em consideração o Estado democrático de direito que todos os dias se proclama e pretende instituir no país.
Certamente que alguns leitores saberão que a organização de que faço parte – a Associação Justiça, Paz e Democracia – travou durante certo tempo uma querela jurídica com o ex-titular da pasta da Justiça, em virtude deste, ao arrepio da Lei das Associações e da Constituição angolana, não passar o Certificado de Registo a que a citada organização cívica tem direito.
Mas, nem por isso tenho qualquer sentimento de pessoal contra o senhor Dr. Paulo Tchipilika, longe disso! Pelo contrário, enquanto pessoa humana e alguém que serviu o meu país durante mais de uma década como membro do Governo, tenho por ele o maior respeito e consideração.
Todavia, estaria a mentir se dissesse que tenho do ex-ministro da Justiça a melhor ideia e que merece o meu apoio na sua eventual indicação para o referido cargo (mesmo sabendo que não tenho qualquer valor e intervenção no processo de indicação e escolha do Provedor de Justiça).
Antes de expor as razões em que se fundam a minha discordância da ideia de indicação do Dr. Paulo Tchipilika, importa, primeiro, a título muito sumário, balizar o enquadramento conceptual e jurídico do Provedor de Justiça.
O Provedor de Justiça, ou «ombudsman», tal como é designado internacionalmente por força da sua origem, é uma figura de origem escandinava, que remonta aos primórdios do século passado e cuja universalização colhe exemplos nos sistemas democráticos de todos os continentes.
Entre nós, o Provedor de Justiça é uma instituição com consagração constitucional, nem podia ser doutro modo; foi com a Constituição de 1992, artigo 143º, que se incorporou na nossa ordem jurídica. Porém, até à data presente, infelizmente, por responsabilidade inexplicável da Assembleia Nacional não foi institucionalizado; nem sequer foi aprovada a lei ordinária que deverá estabelecer o seu estatuto.
O provedor de Justiça, em geral - e é assim entre nós - é definido como um órgão cuja legitimidade dimana da escolha democrática a que se submete e do órgão que o institui: a Assembleia Nacional.
A nossa Constituição, visando garantir a independência do titular deste órgão, condiciona a sua escolha à eleição por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.
Este forma legitimadora do Provedor de Justiça tem a virtude de procurar manter seu titular distante dos partidos políticos e fundamentalmente de quem Governa.
Para além das garantias jurídicas que permitem reforçar a imparcialidade, a independência e a capacidade de intervenção do Provedor, as características pessoais da pessoa a designar para o cargo merecem ser tidas em consideração. Só deste modo se compreenderá que a maior parte da legislação reguladora desta figura (e a própria praxis da escolha) condiciona a sua elegibilidade à «comprovada reputação de integridade e independência».
No que respeita ao âmbito das suas competências, a função do Provedor é, por uma lado, a defesa da legalidade, interpelando os prevaricadores, e, por outro, providenciar e concorrer para a «reparação das injustiças que lhe são levadas ao conhecimento pelos cidadãos.
Assim, o Provedor, embora não seja um órgão jurisdicional, tem um importante papel na fiscalização da Administração e na dinâmica funcional do sistema democrático no seu todo.
Por exemplo, o Provedor, se constatar, por si ou através de queixas da sociedade, que os poderes legislativo ou jurisdicional estão a funcionar mal, pode chamar a atenção pública, apontando soluções e medidas com vista ao aperfeiçoamento da prestação daqueles poderes.
A acção do Provedor, em geral, desenvolve-se através de imputs que recebe da sociedade, os quais tomam, normalmente, a forma de queixa, reclamações ou petições; sobre estas, o Provedor decide sobre o destino a dar, depois de tomar as providências para se certificar da justeza ou não delas.
Uma vez confirmada a justeza das situações que lhe são trazidas ao seu conhecimento, o Provedor de Justiça tem a obrigação de recomendar os comportamentos que se impõem aos poderes públicos, visando a reparação de ilegalidades ou injustiças. Todavia, ao Provedor não compete anular, modificar ou revogar actos administrativos.
Por essa razão, a força persuasora desta instituição advém não só da sua legitimidade democrática, mas também da sua «reputação política». Ora é por aqui que me parece que o Dr. Paulo Tchipilika não tem condições políticas que assegurem a sua integridade e reputação para o exercício do cargo.
Não se trata de uma questão de competência, mesmo que por aqui também tenha as minhas dúvidas, pois se tomarmos em consideração que apesar de ter estado mais de uma década a frente do pelouro da Justiça, o Dr. Paulo Tchipilika não foi capaz de levar a cabo a reforma legislativa que se impunha.
O senhor Dr. Paulo Tchipilika encontrou e deixou a mesmíssima Lei do Sistema Unificado de Justiça, a mesmíssima Lei da Procuradoria-Geral da República, a Lei da Prisão Preventiva, o Código Penal, o Código de Processo Penal – apenas para citar algumas leis – que estão eivadas de normas desajustadamente democráticas.
Mais: o senhor Dr. Paulo Tchipilika não foi capaz de lutar pela dignificação dos Magistrados judiciais e do Ministério Público; ainda hoje, os Magistrados reclamam por melhores condições remuneratórias; o senhor ex-Ministro não foi capaz de adoptar medidas de atracção de jovens juristas às Magistraturas.
As estruturas em que estão instaladas a maior parte dos tribunais provinciais e municipais estão degradadas; não correspondem à dignidade da função jurisdicional; continuamos com uma Lei das custas judiciais problemática; continuamos com graves problemas no que respeita ao instituto do Patrocínio Judiciário, continuamos com problemas da incapacidade do Estado respeitar os direitos dos arguidos, sobretudo os detidos em prisão preventiva; enfim, subsistem problemas tão elementares, mas estruturantes do sector da Justiça.
Se o senhor Dr. Paulo Tchipilika é tão competente como muitos acreditam, onde estão as medidas que tomou ao longo de mais de 10 anos no Governo. Ou me vão dizer que não teve condições políticas?
O senhor ex-ministro da Justiça teve durante o seu consulado a oportunidade de ter uma Ordem, na altura, dinâmica, com quem podia aliar-se; o senhor ex-ministro da Justiça apenas pode contentar-se por ter informatizado o Bilhete de Identidade Nacional!
Mas reparem que eu não discordo da sua indicação porque lhe faltaria confiança política. Nada disso! Aliás, julgo que se o MPLA cometesse o erro de o propor ao cargo teria lamentavelmente o apoio da UNITA. É que estamos todos enganados quanto a integridade e reputação política do Dr. Paulo Tchipilika.
Que há uma enorme dificuldade de se atraírem novos actores e valores políticos na cena angolana, pessoas de reconhecido mérito e com maior margem de independência ninguém tem dúvidas – pelo menos eu - , mas que se queira continuar a apostar na acomodação a qualquer preço, ainda para mais pelo MPLA, que tem, quanto a mim, por onde se pegar, sinceramente, é uma inconsequência que não atesta o discurso da nova fase que se propala.
Não é de modo algum ético que alguém acabado de ser Ministro, depois de muito tempo no Governo, com as consequências que isso traduzem: os laços e interesses que se estabelecem, as cumplicidades e informações privilegiadas que se carregam, seja, imediatamente à sua demissão, e em confronto com o mesmíssimo Governo, proposto para Provedor de Justiça. Objectivamente não haveria condições políticas para um exercício do cargo com normalidade.
Qual seria a garantia de autoridade política e pessoal do senhor Dr. Paulo Tchipilika para interpelar os seus ex-pares no Governo, se porventura fosse eleito Provedor de Justiça?
Na verdade, parece-me que não faz sentido que numa altura em que já quase todos reconhecemos que as instituições políticas do país carecem profundamente de legitimidade democrática que se vá agora escolher o Provedor de Justiça, quando ficámos 12 anos sem ele. Há alguma razão especial para que agora no fim da «legislatura» se institua o Provedor de Justiça? Não vejo!
Mas, se houver boa intenção e não se trata, de modo algum, de procurar arranjar emprego a alguém, e se se pretende efectivamente instituir o Provedor de Justiça, com alguém que seja competente, com maiores garantias de integridade e independência, tenho os seguintes nomes a sugerir: Dr. Manuel Gonçalves, antigo Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr.ª Imaculada Melo, Professor Doutor Nelson Pestana, Dr.ª Anacleta Pereira. E certamente que haverá entre os nossos magistrados potenciais candidatos que oferecem melhores e maiores garantias de um bom exercício no cargo em comparação com o senhor ex-Ministro da Justiça.

Pedro Romão( Angolano, Estudante de Direito da Universidade Católica Portuguesa - Porto e Membro da AJPD)

Sem comentários: