sexta-feira, dezembro 30, 2005

HÁ UM ANO

Quando tudo parece indicar que não há força para continuar com o nosso blog, é com alguma satisfação que assinalamos o nosso primeiro ano de vida. Diz o povo que começar é ter meio caminho andado. Pior mesmo é não começar. No meio das dificuldades, o importante é não perder a vontade de fazer caminho caminhando.
A sabedoria Umbundu é eloquente quando diz «otchinimbu wateta k'onhohã otcho tch'ove»( qui potui capere caepi, diriam os latinos)*. Na verdade, fiz a minha parte que é criar um espaço de exercício de cidadania. A sua manutenção depende de todos: aqueles que escrevem, os que lêem e nos criticam, sugerindo mudanças.
Esperamos continuar nesse caminho de servir e facilitar o exercício de cidadania. Vai um obrigado especial ao Padre Martinho Kavaya, no Brasil, que nos escreveu na primeira hora; ao Gociante Patissa, no Lobito, que nos tem brindado com as suas brilhantes crónicas; ao Pedro Romão, no Porto, que nos autorizou a republicar os seus artigos do angonotícias no começo, mas parece ter-se "desabituado" de escrever; ao Samy de Jesus, em Benguela, que nos brindou com a sua crónica eclesial; aqueles que prometeram enviar-nos os seus textos, mas ainda não o fizeram... Aqueles que nos visitam e divulgam, são motivo de nossa satisfação e orgulho.
Parabéns a todos nós. Até 2006.
*O provérbio Umbundu corresponde a ideia de «dever cumprido, apesar das contrariedades da vida» ( da cobra é nosso o pedaço que temos na mão).
Upindi Pacatolo

quinta-feira, novembro 24, 2005

LÍNGUA MATERNA OU OFICIAL?

Quinta-feira, 23/09/05. Sei que há quem esteja à espera da hora 19, para se sentar diante do canal 2 da TPA, porque “…é dia de mudar de vida!”, como nos tortura em jeito de publicidade a turma do “Angola dá sorte”. Uns realmente ganham, eu porém faço parte dos que só perdem. Aliás, o primeiro sinal, hoje, é ter perdido o sono antes das duas da manhã.
Deixo a cama, pego nos meus livros, ligo o diskman e uns kizombas dão-me banho. Tento ler, mas me vem à cabeça a pressão social (aquilo que queremos não nos quer; aquilo que não desejamos nos persegue). Insisto, mas não consigo mesmo concentrar-me à leitura. Então recorro ao meu habitual consolo – um bloco e uma bick azul – e ponho-me a escrever. De princípio a letra é feia, mas vai ficar bonita logo no computador.
Disse um angolano na Tuga, certo dia, que a vida se resumia em duas grandes desvantagens: uma era ser jovem e a outra ser mulher. Fiquemos hoje com a primeira. Ora não se tem a idade nem a qualificação ideal para certas oportunidades, ora já se passou dos 30 anos e não dá, mesmo depois de estabelecido o parâmetro 15-35 anos como padrão de juventude. Reclamamos, insultamos as instituições, praguejamos e tudo o mais. Mas também nos lembramos de certas conquistas colectivas e vemos que vale a pena lutar, basta estarmos atentos ao que vai pela imprensa e lubrificar sempre os mecanismos da amizade. Afinal, o autor de “renúncia impossível”, que a dado passo reconhecia “atingi o zero”, foi presidente desse país.
Encontrava-me ainda em Luanda, num seminário, quando um telefonema amigo me incentivou a concorrer à uma vaga numa companhia petrolífera. Confesso, não acredito em nenhum concurso no meu próprio país, muito mais quando dirigido por irmãos angolanos. Mas tento, às vezes, não ser carrasco de mim mesmo e retribuo a consideração dos amigos que gastam do seu saldo e da sua saliva em conselhos. Assim, anteontem, juntei o monte de documentos e fui ao centro de emprego, do Ministério do Trabalho, na minha cidade. (É curioso como a nossa vida é em tamanho A4: certidões de nascimento, contratos, títulos de salário, cartas de despedimentos, certidão de casamento, facturas de luz e telefone, etc., tudo em A4.)
Uma vez lá, encontro um senhor cuja testa parecia estar há anos sem saber o que é sorrir. Pronto, saúdo e avanço, a final não estava ali para semear amizades. Na secção a seguir, uma senhora dá-me o formulário e algumas instruções. Escrevo tão rápido que, volta e meia, tinha tudo preenchido… e a discussão inicia com a atendedora: tudo porque preenchi o Umbundu como sendo a minha língua materna. “A nossa língua materna é aquela que falamos”, dizia ela. Pois claro, mas é essa mesmo a minha língua de berço; tanto o português como o inglês, eu aprendi foi na escola. Que azar me arranjei?! A senhora submeteu-me então a uma cátedra: “língua materna é aquela que herdamos do colonizador, porque é a língua que nos une; olha, um zairense, por exemplo, na escola fala lingala? Claro que não, moço!” Impotente e em desvantagem, disse-lhe apenas que era complicado. “Pois, mas estou-te a fazer entender agora que, no espaço língua materna, escreva português, porque o Umbundu é dialecto apenas!”, ditava ela. Os meus suspiros e reticências não a impediram de pegar no corrector e, a mando dela, eu declarar o português como “minha língua materna”, relegando o meu doce Umbundu ao segundo plano. Deixei o Centro de Emprego bastante contrariado, quase irritado. Já não basta o que basta, agora também me roubam a minha história, a minha dignidade? Será que por necessitar de uma carreira, perco o direito de ter nascido no Quimbo, ter o Umbundu como primeira língua da minha vida, ligada às primeiras memorias que guardo com honra!?
Agora são três e um quarto, e tento voltar à cama, mendigar algumas horas de sono. Se penso em pessoas como tu, por isso não tenho sono, ou se não tenho sono e por isso penso em pessoas como você, isso importa. A verdade é que, às vezes apetece desistir de tudo e morrer por algumas semanas. Mas depois a nossa consciência diz-nos não ser justo, já que ainda resta algo de que nos orgulharmos: os amigos que temos, o espírito lutador e as conquistas acumuladas diante de tanta impossibilidade. Força, há que erguer a cabeça, ainda que nos pisem sobre ela!

Gociante Patissa, Lobito

BEIJOU MILHÕES DE HOMENS E MULHERES NA BOCA

“Nós nos conhecemos quando era 15”, dizia o mestre pintor ao seu ajudante. E o mestre pintor o falava com bastante emoção, tanta que denotava doces lembranças de um passado recente na companhia dela, a baixinha, acastanhada, molhada, a quem ansioso agarrava nas horas mortas, no fim de mais um dia de trabalho, durante o fim de semana, etc.
Se perguntasses a quem naquele momento passasse e ouvisse a passagem acima citada, quanto à tal personagem conhecida quando 15, talvez pensasse numa moreninha bem feita. Quero dizer: pele macia, corpo de viola e um rosto tão bem desenhado que evidenciasse a atenção que o Senhor Criador dispensou quando a esculpiu. Afinal, uma das vantagens da colonização foi ter trazido, à Angola, cabo-verdianos que encheram Benguela de lindas morenas. Mas, na verdade (e desculpe a desilusão), não era da “quinzinha” que estavam a falar; ou melhor, falavam duma “quinzinha” que agora já é a “cinquentinha”, mas que antes teve de passar por “trintinha”, uma assim tão popular como as catorzinhas. O que eu penso ser surpreendente é o facto de ela só existir há menos de 5 anos na província de Benguela, mas já ter beijado milhões de lábios de homens e mulheres. Vadia, promíscua… apetitosa.
Não sei se é por ela ser amiga da maioria que a intitularam de “a nº 1”, já que deste número só tem desgraças e estragos. Voltando à conversa dos dois colegas de profissão, o ajudante e o mestre pintor, afinal estavam a referir-se à cuca, cerveja em garrafa fabricada pela Soba-Sociedade de Bebidas de Angola, na vila da Catumbela, produto da BGI.
No Umbundu, a minha língua materna, o som “kuka” tem forte relação com “okukuka”, que significa envelhecer. Será por isso que os miúdos estão a ter corpos de empresários, principalmente na barriga? Caras empapuçadas, mentes cansadas, enfim, será aí que ela nos leva, ao envelhecimento precoce? Poucos pensarão assim, e também p’ra quê chiar muito, se então a nْ 1 é querida por todas as faixas etárias, sem excepção? Atenção, por respeito à ciência, justo seria abrir uma excepção para os bebés… mas como, se até os fetos cucangolam? P’ra quê e quem sou para discordar da realidade?
Ainda volto a reflectir um pouco na passagem da conversa do mestre e o seu ajudante. Para mim, a graça e ao mesmo tempo tristeza reacenderam quando descobri que as palavras do mestre pintor subentendiam uma grande vitória pela perseguição, sem trégua, infligida ao processo de subida de preços da cuca ao longo dos tempos, desde os 15.00 kz até aos actuais 50.00 kz. A célebre frase “o monte é cem”, entenda-se do monte três cervejas, ainda respira em nossas mentes, tanto como respira a conjugação transitiva directa “cucangolo, cucangolas, cucangola, cucangolamos, cucangolais, cucangolam”. A Catumbela, com tantos problemas sociais que tem, a mesma que se cansou de lutar pelo estatuto de município, ascendeu à categoria de “capital provincial… da cerveja”.
A estrada é estreita, o número de carros e o de acidentes crescem na província, particularmente no troço Lobito – Benguela. “Se beberes não conduza, se conduzires não beba”, a velha máxima de estrada é cada vez mais moribunda. Tão bom seria ver isso também numa placa ao lado dos mais de cinco placares publicitários da “nossa” cerveja, bem vistosos ao longo da via, quando não se vê nem sequer uma publicidade fazendo alusão, por exemplo, à epidemia do século VIH/SIDA, ou do tipo “estudar é produzir” (saudosismo à parte) ou “a criança é o garante do amanhã”, ou “democracia é escolher livremente”…
Nós, Angolanos, precisamos nos divertir e entretermo-nos para se ultrapassar as marcas da guerra. Mas quando alguns já querem condicionar as suas capacidades de raciocínio pelos efeitos do álcool, ignorando voluntariamente a necessidade de segurança e de desenvolvimento, hei…alto ali!

Autor: Lofa Kakumba
Adaptação Gociante Patissa,Lobito

quinta-feira, novembro 17, 2005

TRINTA ANOS DE IGREJA EM TRINTA ANOS DE ANGOLA

Misturado aos trinta anos de Angola está a presença da Igreja nos momentos bons e maus por que passam os angolanos. A ânsia pela independência tem o olhar e a mão de pessoas singulares e colectivas da Igreja Católica. Prisões, maus tratos e deportações marcam a história da Igreja antes da independência. Depois desta, e na estrada dos trinta anos de independência, a história está feita de prisões, mortes, destruições, desapropriações, privações, lágrimas, esperanças e de pronunciamentos diante de situações boas e más da vida dos angolanos.
Os pronunciamentos dos Bispos nestes trinta anos de independência são feitos normalmente através de cartas, de mensagens e de notas pastorais nem sempre vistos com bons olhos. Houve quem visse neles uma intromissão, outros quiseram que fossem uma caixa de ressonância dos ressentimentos que nutriam contra o regime vigente no país, outros ainda esperavam que eles manifestassem o pensar de uma sucursal do partido único. No entanto os Bispos fazem sempre questão de lembrar que essa não é missão nem papel da Igreja.
Primeiros dez anos
Os primeiros anos de país são de grande expectativa e de apreensão crescente por parte dos angolanos. A guerra continua, para espanto de todos. O sossego esperado não aparece. A morte e a destruição reinam em Angola e não poupam nada nem ninguém. Nem mesmo a Igreja e os seus missionários.
Os Bispos apreensivos chamam a atenção de governantes e de homens de boa vontade para a necessidade da reconciliação entre todos. “Os angolanos anseiam pela paz a que têm direito, porque não há outra alternativa: ou o extermínio da população, ou a reconciliação da pátria dilacerada” - lembram os Bispos que acrescentam: “a quantos presidem aos destinos deste martirizado povo, ou que de qualquer outro modo interferem na questão da paz da nossa terra, pedimos que façam o melhor que podem para que acabe a guerra e venha a paz e a reconciliação de toda a família angolana”.
Desta fase da história faz parte a primeira reacção governamental, pública, a um pronunciamento da Igreja.
Segunda década
Esta começa com um grito que ao mesmo tempo é uma palavra de ordem e um encorajamento por parte dos Bispos: “Firmes na Esperança”! Comemorando dez anos de independência o retrato do país está bem desenhado na carta pastoral de Fevereiro de 1986: “Nós angolanos, celebramos os dez anos de independência, infelizmente dez anos de armas nas mãos. Como se tanto não bastasse, o espectro da guerra alarga-se cada vez mais, guerra fratricida que vai desgastando o país. Até forças estrangeiras fazem da nossa terra campo de batalha. Somos dizimados física e moralmente. A fina flor da nossa juventude vai tombando na frente dos combates. E muitas vitórias anunciadas são vitórias de morte e destruição.
Nós, porém, repetimos: «a Paz é possível» ”.
A paz na visão dos Bispos, já nessa fase, não só é possível, como é uma exigência. Daí que: “em nome das crianças, em nome dos velhos, em nome dos mutilados, em nome da juventude, cujo futuro até agora foi gravemente hipotecado, em nome de todos os que sofrem os horrores da nossa guerra, pedimos a quantos podem congraçar as partes desavindas – e neste caso poder é dever – que dêem os passos necessários, indispensáveis para o sol auspicioso da paz brilhar na nossa terra”.
Esta é também a fase das primeiras negociações entre o MPLA e a UNITA. Gbadolite, primeiro, e, Bicesse, depois. É a seguir a cimeira de Gbadolite, no ex-Zaíre, e o por ocasião dos catorze anos de Angola que o pronunciamento dos Bispos conhece a segunda reacção oficial, pública, da parte do governo.
Os acordos de paz de Bicesse, bem como as primeiras eleições em Angola merecem vivos aplausos por parte do Episcopado católico: “Felizes os Obreiros da Paz”! Lembra Ele que “… todas as forças são poucas para levantar Angola, a começar pelas vias de comunicação, verdadeiras artérias da sua vida socio-económica. Praza a Deus que lhe não faltem ajudas isentas e bastantes. Quanto a nós Angolanos, todos não somos de mais para tão urgente e patriótica missão. A pátria conta com todos nós”.
Cinco anos de desespero
A segunda metade da década dois de Angola é das mais conturbadas da história. O conflito pós eleitoral é o mais violento de sempre. As esperanças e a boa vontade das pessoas são ignoradas. A apreensão cresce e “A Igreja não pode conformar-se com este estado de frustração e o sofrimento em que o povo se vê novamente imerso. Por isso aqui vimos falar em nome dele, gritando a todos os políticos e responsáveis pelo processo eleitoral de Angola: «Salvai-nos, que perecemos». Trinta dias depois os bispos perguntam: “Uma nova guerra como iria acabar? Com negociações? Com diálogo? Com algum mediador? Então escutem-nos. E com urgência. Aquilo que um dia iriam fazer para a guerra acabar, façam-no já agora para ela não começar”.
A pergunta não é respondida. O apelo não é levado em conta. A situação deteriora-se rapidamente. A fome, a dor, a miséria e a morte graçam pelo país. A ajuda humanitária é muitas vezes condicionada e usada como forma de pressão. As armas falam alto por toda Angola. Contudo a CEAST grita: “Em nome do povo e em nome de Deus, pedimos de todo o coração ao Governo e a UNITA que regressem imediatamente à mesa das conversações, e não venham de lá sem um cessar-fogo assinado que acabe com o inferno desta guerra injustamente imposta ao povo angolano”.
Terceira década
Os acordos de Lusaka marcam a terceira década de vida de Angola. Tal como por ocasião dos de Bicesse, esses acordos foram saudados pelos bispos com alegria e satisfação. Eles lembraram aos políticos e não só, que “o amor à Pátria é uma força poderosa que a torna una e coesa. Mas como pode haver amor à Pátria se não houver amor aos compatriotas? Sem este, a Pátria estaria exposta à sua própria ruína”.
A paz e a tranquilidade de Lusaka duram pouco tempo. A guerra volta ao país. Volta também a destruição. Os Bispos apreensivos lançam um veemente apelo aos homens da guerra e fazem saber que “as motivações da guerra em Angola têm sido qualquer coisa menos o bem dos angolanos”. E acrescentam: “ É impossível amar o povo e fazê-lo sofrer. E quem o não ama não é digno de ser seu governante”.
Os acordos do Luena fecham os anos de guerra em Angola. A preparação para as eleições e os três anos sem guerra devolvem aos poucos a esperança de dias melhores aos Angolanos. Desenvolvimento e progresso é desejo de todos. Vale no entanto recordar a chamada de atenção dos Bispos: “Se queremos construir deveras o futuro da Nação, temos a certeza de que isso jamais será possível sem consciências rectas, sem homens honestos e responsáveis na sua profissão, no seu emprego, no seu cargo, nos seus negócios, na sua vida, já pública já privada. Sem homens desta têmpera, o País não se pode erguer à dignidade que merece”.

Ao longo destes trinta anos, dois pronunciamentos têm resposta imediata da parte do governo de Angola. O primeiro é feito no Lubango. Neste os Bispos reagem ao facto de o Governo e o Partido terem declarado ser o marxismo-leninismo a linha ideológica oficial de Angola. A crítica à religião intensifica-se. A tendência à criar divisão dentro da Igreja e à separar esta da Igreja Universal acentua-se. Na carta pastoral os Bispos aproveitam para elucidar os cristãos e o povo sobre a fraqueza do sistema ideológico escolhido.
A reacção é forte. O editorial do Jornal de Angola de 26.01.1978, traz como título, e a vermelho, “OS BISPOS E A CONSPIRAÇÃO”. Seguem-se uma série de dificuldades para a Igreja. Missionários são impedidos de entrar. A Emissora Católica de Angola é confiscada. Aumenta a pressão sobre trabalhadores e funcionários católicos.
Uma outra reacção pública do governo tem a ver com a mensagem de 11.11. 1989. “Os últimos acontecimentos da história recente dizem-nos que os povos hoje caminham para a Paz, o progresso, a liberdade, a democracia. Um sistema político deste género dignificará a nação angolana, o seu povo e os seus chefes.
Não queiramos para Angola caminho diferente”.
A direcção nacional para os assuntos religiosos repudia a mensagem e taxa-a de panfleto clerical. “O documento subscrito pelos “Bispos Católicos de Angola” procura torná-los intérpretes “do povo sofredor” de Angola.
Mandatos desta natureza estão regulamentados por instrumentos jurídicos estabelecidos pelos direitos e deveres dos cidadãos, consubstanciados na lei constitucional a que todo o povo deve obediência incluindo “os Bispos Católicos de Angola”.”
Na mesma edição do Jornal de Angola, o jornal comenta a mensagem sob o título: «A DEUS O QUE É DE DEUS». Eis, um extracto do comentário: “Os bispos católicos e os fiéis da sua igreja têm outros meios e lugares próprios para buscarem a paz que dizem desejar, sem terem a pretensão de dar conselhos a quem deles não necessita, ou de se substituírem ao estado em que se integram. “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.”

Samy de Jesus, Jornalista da Rádio Benguela

«A UNITA NÃO SE ADAPTA A CIDADE»

O título é tirado de um artigo de opinião do jornalista e escritor angolano, José Eduardo Agualusa, publicado em finais de 1992,na revista portuguesa de "Política Internacional", a seguir ao massacre de Luanda e na eminência da guerra pós-eleitoral. O artigo propunha-se compreender a lógica do conflito angolano a partir da politização da etnicidade e, ao mesmo tempo, um esforço de paz do autor.
No essencial, sendo um artigo descritivo, Agualusa limita-se a expor aquilo que são as suas percepções sobre as causas da guerra, desde 1975. Subjaz ao seu argumento a teoria essencialista da etnicidade, que admite ser a etnia algo essencial, i.e.,co-natural e inalterável. Esta teoria impede-o de olhar para o lado dinâmico da etnicidade, captável pela teoria instrumentalista. Com uma terceira via, i.e., a junção das duas abordagens, conseguiria captar os lados estáticos e dinâmicos da etnicidade e, muito provavelmente, as suas conclusões seriam outras e muitos mais aplicáveis.
A par do lado mais teórico, o artigo peca por defeito ao não considerar as contradições das elites dos movimentos de libertação nacional como prolongamento daquelas da sociedade angolana colonial, com a sua esclerose de classificação: brancos, assimilados de facto e por escolaridade e os indígenas... Também não capta a intensidade diversificada do colonialismo de região para região.
Posto isso, é importante dizer o seguinte: as contradições entre as leites angolanas não eram, necessáriamente, inconciliáveis. Mas no contexto da luta armada era algo difícil de superar, por uma razão que nos parece óbvia: as elites luandenses, bem ou mal, estavam habituadas a conviver entre os três grupos com dificuldades razoáveis; as elites bakongo olhavam para aquelas como prolongamento do colono, que os espolheu das suas terras e o obrigou-os a um exílio forçado; as elites do planalto, consciencializadas da sua situação de opressão e exploração pela educação protestante,olhavam para as elites luandenses como prolongamento daqueles que levavam os seus para as roças do norte (=k'ondalatu).
A UNITA surge em 1966, numa altura em que FNLA e MPLA disputavam a primazia da representação da luta de libertação nacional angolana. Saídos da FNLA, os líderes da UNITA não terão ficado indiferentes ao resultado do 15 de Março de 1961, quando camponeses Ovimbundu foram barbaramente mortos pelas duas partes:UPA/FNLA e tropas coloniais. Estava assim instalada a dificuldade de coabitação com a FNLA.
A opção de entrada pelo leste, pensamos estar ligada a proximidade com o Congo-Belga, de onde vinham; com a independência da Zâmbia e boas relações com Kaunda; com a presença pouco intensa dos colonos nas terras do fim do mundo; e, sobretudo, disputar um espaço de luta aberto, já que a FNLA gozava de uma hegemonia na zona norte.
Vamos dar um salto para 1974-75, por razões de economia de tempo e espaço. Quanto a penetração na cidade, depois do 25 de Abril de 1974, é obvio que cada um dos movimentos contou com os trunfos que tinha na mão: a sua composição e o conhecimento dos lugares. Sendo os dirigentes do MPLA, esmagadoramente, provenientes de Luanda e conhecedores do meio, tinham supremacia de afirmação em relação aos outros. Os dirigentes da UNITA, esmagadoramente, provenientes das regiões do planalto central,fizeram o lógico:implantar-se nas cidades do Huambo, Benguela e Bié, já que tinham membros dessas zonas. Na disputa de Luanda, a UNITA estava em desvantagem por não conhecer o meio e, para ajudar a festa, foi apoiada pela África do Sul do Apartheid, regime abominado em África.( Talvez aqui o «pecado» seja a homegeneidade étnica). A FNLA tentou disputar a capital, mas tinha a desvantagem dos seus homens que, por razões óbvias, não dominavam ou não falavam mesmo o português e, para ajudar a festa foi apoiada pelos zairenses de Mobuto, regime detestado na região.
Num contexto em que quem tem a capital ganha a luta, o MPLA tinha tudo ao seu alcance para ser o «primo inter pares». Com a incapacidade de conviverem e partilharem os ganhos da luta, só restava o que conhecemos: afastar os outros da capital.Chega-se,assim, ao que interessa: a UNITA recua para o Huambo, donde é corrida, restando-lhe, mais uma vez a mata para sua sobrevivência, enquanto a FNLA regressa a procedência e desaparece.
Volto ao princípio dessa nossa conversa: há uma incapacidade congénita da UNITA em adaptar-se à cidade ou as circunstâncias da luta de libertação e depois de sobrevivência empurraram-na para a mata, donde conseguiu reerguer-se? A mata foi uma opção ou consequência do desenrolar dos acontecimentos? O presente da UNITA, i.e., os últimos três anos, mostram que ela é capaz de viver na cidade(=Luanda), basta que tenha tempo e oportunidade para se socializar. Aliás, Huambo e Benguela/Lobito são cidades, por sinal segunda, terceira e quarta de Angola.
Termino com o leitor que teve paciência de nos acompanhar e, certamente, dirá: qual é a tua agora? O que pretendes? Queres negar que os maninhos são uns gajos da mata ou inadaptáveis à cidade? Ou apenas perder tempo e dar largas à tua imaginação e mostrares um pouco da tua lata? A resposta é simples: trazer para debate ideias feitas ou «verdades auto-evidentes» que analisadas com algum rigor e desapaixonadamente, embora com dose de subjectividade própria das ciências sociais, podemos apurar e afinar as nossas percepções. Também estamos certos de que os leitores não estão esquecidos da finalidade deste espaço:debate!!! ndanda

Upindi Pacatolo

quarta-feira, novembro 02, 2005

NUMA ALDEIA PERTO D'AQUI

HÁ DOIS ANOS QUE O POVO LUTA

Para lá do asfalto, a menos de 95 quilómetros dos Hummer’s, dos Jeeps Vx, dos Toyotas Rav4, um pouco distante dos concursos de “Miss”, existe uma “Ombala” chamada Tchiaia. Quase perdida em arbustos, fica a quarenta minutos a pé no sentido leste da via do Samboto. É a sede de cinco aldeias, nomeadamente, Pedreira, Kandongo, Samangula, Kawio e Tchiaia, todas elas pertencentes à comuna do Sambo, município do Tchikala Tcholohanga, província do Huambo. Lá onde os telemóveis são só brinquedos dos adultos visitantes, onde a energia eléctrica só está na memória de alguns que conhecem, quando muito, a sede da comuna, as crianças têm um sonho: o de receberem enxadas e sementes para sustentarem suas famílias.
A aldeia ressurgiu há dois anos e carece de quase tudo: desde à alimentação, serviços básicos de saúde, acesso à educação e ensino, até ao apoio na actividade agrícola – a principal fonte para o auto-sustento. Entre os populares, há os retornados da Zâmbia, alguns são viúvos, outros velhos incapacitados e boa parte das crianças é órfã. O apoio do PAM terminou em Maio último enquanto que as últimas chuvas com granizo destruíram as plantações. Hoje, o sustento das famílias, cuja dieta forçada é a batata-doce, é uma responsabilidade partilhada com a própria criança logo que completa 11 anos. Vive-se do cultivo e do fabrico de carvão. O ganho diário pelo biscate no campo é 200 Kz por adulto e 150 Kz quando se é mais jovem; já no carvão, uma criança pode fabricar até cinco sacos de cada vez. “Mete-nos até vergonha ter de pedir ajuda, nós que sempre fomos um povo trabalhador”, desabafou um adulto.
Desde cedo, as crianças dominam a auto-medicação usando raízes silvestres. É a alternativa face à inexistência de um posto de saúde e à escassez de dinheiro para pagar um enfermeiro particular pelo tratamento. “Quase todos os recém-nascidos faleceram este ano, só na sede da Ombala. Até agora, o número total é de 17 óbitos, dos zero aos 2 anos e meio”, revelaram alguns líderes da comunidade. A fonte de água para o consumo é um dilema: todo o mundo sabe que é antiga e tem bichos, incluindo cobras, mas não existe outra alternativa.
A única escola foi construída por uma ONG, em 1996, e a sua cobertura foi saqueada durante o conflito armado. Nela, três professores atendem 300 crianças, da iniciação à segunda classe, sendo parte considerável dos alunos maiores de 14 anos. Os que passam para a 3ª classe enfrentam sete quilómetros a pé para chegarem à escola na sede da comuna de Sambo.
O consumo excessivo do kaporroto, aguardente produzido localmente, é companhia dos adultos às tardes, distraindo uns e fazendo brigar outros. Bebe-se mais do que se come. Pelas manhãs, o movimento das crianças divide-se em dois galhos: umas indo à lavra, outras para a escola. Destinos diferentes, mas algo em comum: todas cheias de feridas de bitacaias e suas roupas de tão sujas e rotas (na vida real) até parecem indumentárias de teatro comunitário.
Se o Mpla é o único partido na zona, a igreja católica ganha concorrente, a adventista, que já tem um fiel dedicado (a aldeia tem mais de 200 homens). Mas a última campanha de evangelização dos adventistas provenientes do Huambo, durante um fim-de-semana, deu mais pontos aos católicos, de si já líderes das simpatias em função de alguma caridade recente aos órfãos e vulneráveis: tudo porque, no culto, um visitante terá dito que “os irmãos que adoram no domingo, adoram no mesmo dia que os palhaços”, o que ofendeu até as autoridades locais. Nos finais de semana o futebol é rei, sem técnica, táctica e onde ninguém sabe perder; mas vale a intenção: “assim as crianças se distraem das makas da guerra… e nós também”.
“Kwachas” e “MPLosos” de ontem, angolanos unidos hoje pela paz, há dois anos que lutam pela sobrevivência, pelo direito de recomeçar a vida em Tchiaia, sua aldeia do coração. Qualquer apoio é para ontem e aqui fica o SOS. Para além do governo de Angola, quem será o rico, o político, o amigo ou filho do Huambo que pode ajudar esse povo?

Gociante Patissa, Huambo, 30 de Outubro de 2005

segunda-feira, outubro 17, 2005

O IMAGINÁRIO DAS NOSSAS PATRÍCIAS!!!

Vou tentar ser o mais fiel possível e descrever-vos o que presenciei. Não é novidade para quem vive em Lisboa e tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. Vinha eu no metro, em direcção ao Rato, perdido nos meus pensamentos, o que é normal quando não tenho um livro, revista ou artigo para ler, ou estou, simplesmente, sem disposição para tal.
Entre sentar e não sentar, decidi-me sentar, assim que o metro ficou descongestionado na estação de Entrecampos. Sem querer, o lugar vazio era ao lado de uma patrícia que trazia o filho no colo. Pelo rosto e fisionomia, a patrícia aparentava estar na casa dos vinte e tais ou trinta e poucos.
Na estação do Marquês de Pombal, entra uma outra patrícia que, reconhecendo a primeira, senta-se junto a ela e começa a conversa habitual. Procura saber como a outra está, o trabalho, os miúdos... Nesse entretanto, a primeira começa a lamentar a atitude do filho, porque é bastante lento, o que lhe faz chegar atrasada em quase tudo, porque tem que deixá-lo na escola. « Fogo! Aquele miúdo é muito lento. Tenho muita pena dele, porque quando crescer, com essa lentidão, não conseguirá trabalhar nas obras. Será um desempregado».
Prontamente a outra ripostou:« Epa não! Tas a gozar ou quê? Ele não vai trabalhar na obra coisíssima nenhuma. Então fartaste de trabalhar na limpeza e cafés e o teu marido nas obras para quê? Metes o teu filho na escola para quê? Todo esse esforço e sacrifício é pa ele continuar nas obras? Nada disso! Ele será doutor!»
Apesar do percurso entre o Marquês de Pombal ao Rato ser demasiadamente curto, esse é um daqueles momentos que nos apetece continuar a viagem e seguir o diálogo para meter uma colherinha de açucar. Mesmo assim, não perdi a oportunidade de dizer uma palavra, quando já íamos a subir as escadas: « sim senhora, apoiado. Ele não vai as obras! Nem sequer precisa, basta estudar!»
Continuei o meu percurso, enquanto a conversa das duas ia ficando distante. Sozinho continuei a falar. Pus-me a reflectir na conversa e no disparate que tinha dito. Na verdade, se o puto não estudar e não tiver estímulo para o fazer e se os pais estiverem determinados em ficar aqui( leia-se Portugal), a porta que se lhe abrirá é a das obras. Aqui precisa-se de gente forte e dispachada.
Com uma família cujo background é como o que estámos a descrever, os filhos precisam de muita sorte, força de vontade e uma benção especial para romperem esse círculo vicioso, que os espurra para o desânimo e reprodução do status social dos pais. Uma mãe assim,sem exemplos de sucesso, tende a transmitir aos filhos aquilo que é o seu mundo: ir as obras e ganhar dinheiro, por isso não precisa perder tempo com os estudos. Ou seja, pode ser lento e até desleixado com a escola, mas não pode sê-lo em relação as obras, porque senão tá feito.
Por outro lado, consola-me perceber, a partir da outra, que há gente desse mesmo meio, que pensa diferente, isto é, esforça-se, para que os filhos tenham melhores oportunidades e estejam preparados para as aproveitar. É muito reconfortante ouvir isso. Assim, o meu apoio tanto com a cabeça, quanto com as palavras que disse,faz todo sentido. Temos direito de aspirar pelo melhor e não importa a nossa origem. É preciso pensar que os nossos filhos merecem melhor futuro que nós, por isso todo esforço em prol desse futuro é bem vindo.
Força gente lutadora. É preciso romper as amarras do passado e ir pa frente. Salvemos as gerações futuras. Parabéns àqueles que exercitam o seu direito de pensar/sonhar alto e diferente.
Qualquer coincidência com a ficção, é a mais pura verdade.

Upindi Pacatolo

sábado, outubro 08, 2005

AÍ! COMO DÓI!!!

Aí! Como dói??!!! Assim exprimiu-se Walter Ananás "Tchifuto Mbungu", numa das suas músicas, relatando o dia-a-dia dos Angolanos. É uma maneira belíssima de começar essa nossa reflexão.
Todo indivíduo interessado em questões Africanas e amante do melhor que África já produziu, certamente conhece ou já ouviu falar do celebérrimo testamento de Nelson Mandela "I am prepared to die"( Nelson Mandela, Rivonia Trial, Pretoria Supreme Court, 20 de Abril de 1964... disponível nas obras "Long walk to freedom" e "From Freedom to the Future"). Esse testamento, lido em 4horas, há 41 anos, podera apenas figurar nos arquivos do passado sinistro do Apartheid.
Infelizmente, muitas das injustiças que levaram Mandela a lutar contra o sistema, continuam a fazer parte do dia-a-dia da maior parte dos Angolanos. O mais disconcertante é que são Angolanos a infrigir e condenar outros Angolanos à situações de indigna humanidade, levando alguns mais velhos a preferir o tempo colonial ( Cf. Justino Handaga "Akulu valivela kaputo").
É difícil resistir à tentação de traduzir o Testamento de Mandela para esta página porque encaixa perfeitamente na situação actual de Angola, bastando para o efeito substituir os valores estatísticos - no que toca à escolarização -; as palavras White, Black, National Party, African National Congress, South Africa e as datas por realidades correspondentes em Angola e, pronto, temos tema de conversa.
Na secção que designámos por "Extremes and remarkable contrasts", lê-se: "A África do Sul é o país riquíssimo de África, e pode ser um dos mais ricos do mundo. Mas é o país de grandes extremos e contrastes. Os brancos disfrutam o que pode bem ser o elevadíssimo standard de vida no mundo, enquanto os Africanos( leia-se negros) vivem na pobreza e miséria..." Mandela vai descrevendo as condições de vida desumanas dos Africanos/negros, desde a habitação, emprego... até à escolaridade, para no fim sugerir duas possíveis formas que podem corrigir o quadro sombrio. "Há duas maneiras para combater a pobreza. A primeira é a educação formal e, a segunda dar oportunidade aos trabalhadores para aumentar os seus conhecimentos e melhorar os seus rendimentos..."
Justino Handanga, o músico que está na moda em muitas cidades de Angola, ajuda-nos a interpretar o testamento de Mandela para a nossa realidade. Na sua música, "Twatekateka", retrata a vida dos mutilados de guerra, que lutaram pelo país, nas várias guerras que tivemos, e hoje estão reduzidos a mendigos para poderem sobreviver. O que mais dói é perceber que estão privados até do direito de ter filhos, porque " okutchita ndukusole, pole katchitava momo ku Suku ekandu...nda otala hale ohali kukanene ukwene k'ilu ly'eve"( para quem passa necessidades básicas é desumano ter filhos para condená-los à mesma realidade ou pior).
Já na música "Valivela kaputo", fala do sentimento partilhado pela grande maioria dos mais velhos sem esperança, porque os filhos passam o dia a apanhar migalhas em vez de ir à escola; os pais dedicam-se ao corte de lenha e queima do carvão para garantir algum sustento, mas quando o corpo não obedece de tantas dores, então a fome aperta em casa... quando as crianças estão doentes, os hospitais não possuem remédios... No meio desse marasmo de indignidades e desumanidades os mais velhos preferem a época colonial!!!!!!!!!
O que mais me cansa e aborrece é quando me apresento como Angolano e os meus interlocutores ripostam: "Angola é um grande país e muito rico!!!" Imediatamente corrijo a situação com o nosso "infelizmente", o que os deixa um pouco ou muito disconfortáveis. A razão é simples: o nosso maior drama é termos um país podre de riquezas naturais e que leva os nossos dirigentes e parceiros a esquecer a maior riqueza: o POVO ANGOLANO!!!!!!! Este sim, conseguiu independência política há 30 anos!Mas para que serve uma independência privada de direitos básicos e fundamentais e, para agravar condena a grande maioria do povo a vegetar indigna e desumanamente.
Os nossos contrastes falam por si: uma dúzia de irmãos vive exageradamente na maior abaundância, enquanto a grande maioria vegeta na pior indigência; uma dúzia frequenta as melhores escolas com bolsas e apoios chorudos, enquanto a grande maioria está condenada a frequentar aulas debaixo de árvores sentada em latas de leite em pó, quando havia, agora que é luxo... uma dúzia faz do luxo seu lixo, enquanto a grande maioria faz do lixo seu luxo, disputa comida com os cães!!!!!!!!
É para irmãos negarem dignidade e direitos fundamentais à irmãos que lutámos pela nossa independência??? Para irmãos condenarem os outros a um eterno fracasso, reproduzindo o sistema social???

Upindi Pacatolo

terça-feira, outubro 04, 2005

VOLTEI AO NAMIBE II

Um outro choque desta vez tinha a ver com a noção de raridade do cartão postal da cidade. Ao visitar o deserto (de Calahari que se estende ate Africa do Sul) constatamos que, afinal de contas, o sentido de raridade da welvitchia mirabilis está no facto de apenas existir no deserto do Namibe, mas não significa que exista um só pé. “Quem vai ao Tombwa vê montes e montes, umas grandes e outras pequenas”, enfatizou o guia auxiliar, Salvador Francisco. E, ao contrário do que julgava, a discussão no primeiro dia em volta do bom estado de conservação das estradas não se havia esgotado. Já de regresso ao parque de campismo, um toque no meu ombro esquerdo chamou-me a atenção e quando atendi me foi “enfiada” a pergunta:
– Do aeroporto a cidade viste algum ponteco, algum túnel sob a estrada?
– Não! Respondi-lhe sem hesitar.
– Pois – continuou – não há ravina nem nada. Isso tudo contribui para o bom estado das estradas…!

Quando chegamos no estádio Joaquim Morais, por volta das 11:30 horas, decorria mais uma sessão de treinos, orientada por Romeu Filemon, antigo preparador físico da Académica Petróleos Clube do Lobito nos anos 1999-2000. E não era tudo, três atletas usavam camisolas que um dia foram equipamento oficial do Clube do Buraco. As condições do campo Joaquim Morais indignaram os excursionistas, que chegaram a dar razão àqueles que abandonaram o Sonangol do Namibe. Destes, referenciou-se Hugo, um dos goleadores destacados do girabola. O quintal de adobes vai se “esfarelando” a cada dia, muro partido várias vezes, enfim uma sensação de que o estádio está votado ao abandono apodera-se de quem aí se desloca pela primeira vez, tudo a contrastar com a saúde excelente do relvado.

A TPA funciona no 5º piso do edifício mais alto da cidade do Namibe e que tem, curiosamente, apenas 5 andares. A Delegação local, acredite-se, tem feito esforços, mas carece de investimento para se ajustar ao ritmo das principais províncias de Angola, devido a sua dimensão turística e económica. É normal que não seja ainda um centro de produção, mas que até ao momento o sinal do canal 2 da TPA ainda não esteja disponível… é grave. “Se você quer ver Canal 2 tem de ir aos matos, lá nas administrações comunais e municipais onde tem parabólica”, desabafou um munícipe. Não é de admirar que em alguns pontos da cidade haja mais antenas parabólicas de Tv’s estrangeiras do que árvores. E mais grave ainda é estar bem estampado na “testa” do edifício, e eu cito, “Televisão Popular de Angola”, em pleno ano 2005, quando já vão quase 10 anos que, de popular, a nossa TV passou à Pública de Angola.

Aproximando-se a uma residência azul, o autocarro afrouxou a velocidade até estacionar num parque improvisado defronte. “Aqui é o hotel dos que cometem crime”, dizia simpático o guia principal. O autocarro reagiu com gargalhadas à piada oportuna, enquanto os olhos focaram-se nas instalações da Comarca, situada no bairro do Platon, um pouco fora da cidade (talvez por uma questão de coerência, já que se quer o crime cada vez mais distante possível). “Reeducar não é tarefa fácil…”, lia-se num letreiro à entrada. Instantes depois retomou-se a marcha em direcção a praia azul, nas escadinhas, a zona de preferência dos banhistas geralmente vindos do Lubango. Os nomes “Praia azul” e “Escadinha” faziam lembrar algo bem familiar: a Baia Azul e a Caotinha, em Benguela. Para além do “azul” e da rima em “inha”, ambas têm muito em comum com as “nossas”. Tratam-se de praias limpas. E quando digo limpa sei do que estou a falar (pelo menos ninguém viu no chão camisinhas – usadas por amor ao amor ou ao dinheiro – cheias “daquilo”, como facilmente acharíamos no Lobito, de meio em meio metro, na parte oeste da ponta da Restinga!). Mas a área “das Escadinhas” em particular “perde por goleada” comparativamente a Caotinha. Isolando todas as outras potencialidades desta última, a praia do Namibe, também considerada discoteca móvel, apenas tem um restaurante, para além de que quase não há táxis para facilitar os banhistas “órfãos” de carro. Mas, enfim, aprendi que Namibe é um daqueles casos cuja potencialidade não se avalia por comparações, mas, sim, pela dimensão das almas dos seus habitantes.

As instalações do Banco Africano de Investimento (BAI) dão um reflexo de luxo na rua onde se situa o Concelho provincial da Juventude que, diga-se em abono da verdade, não fica a dever muito em termos de aparência. O irónico é que o movimento associativo é nulo; questionei cinco pessoas, todas bem posicionadas até, e nenhuma sabia da existência de ONG’s e associações voluntárias nacionais, excepto no município da Bibala onde intervêm ONG’s da vizinha província da Huila. Quanto à beleza do BAI, razões há que bastam: por um lado se trata da casa dos dinheiros, que deve manter-se maquilhada para atrair clientes, mas, por outro, havia sido inaugurada em menos de duas semanas.

A abertura oficial do Festival, na manhã de 2ª feira, 11 de Abril, foi marcada por discursos do Director Provincial da Juventude e Desportos, Pedro Mussungo, e do governador provincial em exercício, António Correia. Pedro Mussungo teve o discurso mais objectivo que já ouvi de um político/governante – sem sofismas nem cara-de-pau – parecendo mais um texto jornalístico. Danças tradicionais e músicas ao vivo abrilhantaram o palco. Uma dessas músicas tinha o sopro do mar e o sabor do ananás, talvez por ser cantada por Cândido Ananás, filho da Terra, e referir-se às belezas naturais de Angola. As actividades enquadradas no Festival Jovem Namibe/05, resumem-se em: produtivas, lúdicas, culturais e recreativas, desportivas e de investigação. É uma iniciativa do Governo provincial do Namibe, através do Ministério da Juventude e Desportos, com parceria do Concelho Provincial da Juventude. Sob o lema “Angola 30 Anos, Juventude Clamemos Pela Pátria”, enalteceu valores como a solidariedade e promoveu a troca de experiência entre os 300 delegados das províncias de Benguela, Huila e província anfitriã, que se representou pelos cinco municípios, nomeadamente, Camucuio, Virei, Tombwa, Bibala e Namibe. Fiz amigos dentro e fora de Benguela. Mas tive a oportunidade de descobrir alguém que é o Namibe em pessoa: Pequena de corpo, mas com uma alma de grande dimensão; aparentemente fria e fechada, mas inteligente, doce, rica e solidária como o mar, abundante como as estrelas intocáveis, enfim, alguém com quem se precisa conviver para melhor conhecer.

Na visita ao Tombwa, saltou à vista o Centro Integrado de Emprego e Formação Profissional que administra desde os cursos mais técnicos aos administrativos, por 900 kwanzas mês, uma iniciativa que deveria servir de exemplo para as restantes províncias do país. O receio de muitos é formar-se e não ter emprego, devido a falta de políticas tendentes ao primeiro emprego, e principalmente ao elevado número de indústrias abandonadas no país. Um desses exemplos é o antigo Porto Mineiro de Moçâmedes (PMM), o 3º maior porto de Africa, segundo Pedro Mussungo, que servia para o carregamento de minério para a Ásia (China e Japão) e que faliu pouco depois da independência. Enquanto visitávamos o PMM, uma comissão chinesa se fazia ao local, possivelmente para identificar potencialidades e necessidades do monstro adormecido. “Não é a primeira delegação”, garantiu Pedro Mussungo, o guia sénior, que no entanto não acredita num eventual ressurgimento do PMM dentro de dois anos.

Muitos namibenses têm no mar o seu cordão umbilical, tanto é que um dos bairros da Comuna de Forte Santa Rita se chama “Saco-Mar”, por situar-se na reentrança causada pelo acasalamento do rio Giraúl com o mar. Mas atraiu-nos um velho concertador de redes de pesca, sentado na areia e mergulhado profundamente no pensamento, a escassos metros do Parque de Campismo, com quem Filipe e eu travamos um dedo de prosa. Natural da Baia das Pipas, 36 km, cose redes desde 1975, profissão que aprendeu com um padrinho, quando aos 20 anos terminou a tropa colonial sem formação académica que lhe desse um emprego no escritório. A linha e a agulha com que cosia “vêem mesmo da fábrica, no Lobito ou em Benguela”. Ganha honestamente setecentos kwanzas por dia, e enquanto não terminar o biscate não tira folga nem mesmo para almoçar. A poucos metros, um senhor mestiço de caixa de óculos aguardava ansioso pela conclusão da obra. “Essa rede é para pescar no rio Kunene”, disse o velho.

Inicialmente marcado para domingo, 17 de Abril, o regresso da caravana veio sofrer sucessivos adiamentos, e só aconteceu na tarde de 5ª e manhã de 6ª feira, respectivamente, para a insatisfação dos delegados. Sob instruções, nalgumas vezes incoerentes, via telefone, ia-se mais de duas vezes por dia ao aeroporto, quando não fosse o caso de ficar lá todo o dia no autocarro e voltar à tardinha para o Campismo “vazio e frio”. Por mais patriotas que fossemos, ficar sem almoçar de domingo até 5ª feira, numa altura em que já se havia esgotado o subsídio de ajudas de custo, soava humanamente a abandono institucional. Mais ainda, numa altura em que alguns delegados precisavam voltar para os seus locais de trabalho, escolas, outros deviam regularizar sua situação militar, participar de concursos públicos para a função pública e ainda aqueles que tinham algum familiar doente. Em consequência um delegado regressou de táxi e um outro de voo da Air Gemini, ambos por meios próprios. Talvez fosse esse o grande teste das entrelinhas do lema: “Angola 30 anos, Juventude Clamemos pela Pátria”. Infelizmente, não consegui chegar ao Bentiaba (ex-São Nicolau), onde meu avô foi preso de 1961-1966, acusado de “Turra”. Mas tenho uma certeza: O regresso ao Namibe me permitiu corrigir a perspectiva anterior. Mesmo que nunca mais volte lá, Namibe será sempre a segunda província de meu coração.

Gociante Patissa,
Activista de Educação Cívica e Direitos Humanos e Radialista Amador
Bairro da Santa-Cruz, Lobito, Caixa postal 208-Catumbela

sexta-feira, setembro 30, 2005

RASGOS DA VIAGEM!

Aos 30 dias do mês de Junho, deixamos o aeroporto da Portela-Lisboa rumo à South Africa, passando por Luanda. Depois de 3 anos na Tuga, habituados a alguma eficiência e funcionalidade do sistema, não estávamos preparados para aceitar a burocracia e/ou quase inexistência de eficiência dos nossos serviços. Tivemos a opção de viajar pela nossa TAAG, motivados pela máxima " é nacional, é bom, tem qualidade e eu gosto!".
Para começar, quando se entra no avião da TAAG, os lugares para bagagem de mão já estão lotados. Então a solução passa por viajar com a bagagem de mão junto dos pés ou, com um pouco de sorte no banco ao lado, porque o passageiro desistiu da viagem ou por outra razão... Mas deixemos a TAAG para próximos "RASGOS".
É deveras inexplicável e algo frustrante quando se deixa o avião, entra-se no autocarro em direcção à sala de controlo dos Serviços da Emigração e Fronteiras. Quem por lá já passou tem alguma ideia. Quando o agente não vai com a sua cara pode demorar cinco ou mais minutos com o seu passaporte ( o que é incompreensível... mas pronto...). A dificuldade maior prende-se com o azar de ter que esperar hora e meia para recolher a bagagem e, se nos damos ao trabalho de levantar a cabeça para o tecto admirano-nos a ausência de estuque sinal de obras em curso ou inacabadas, porque os tubos e fios de canalização estão à vista.
Depois de desesperar pela bagagem começa a procissão de saída: bilhete para identificar a bagagem 1º posto; alfândega para saber o que trazemos 2º posto ( que nos pode levar 10 minutos ou mais...). Finalmente, aguarda-nos o baile do transporte e do trânsito...(voltaremos)

Upindi Pacatolo

sábado, junho 25, 2005

VOLTEI AO NAMIBE, AMEI O NAMIBE

(Iª PARTE)
Sábado, 9 de Abril, acordei com mais certeza ainda de que queria mesmo viajar. Acordei apaixonado pelas minhas lembranças, pela vontade de pesquisar, apaixonado por uma pátria agora sem guerra e que oferece, à medida de cada bolso, a possibilidade de ser palmilhada de lês a lês, enquanto o vírus marburg não nos levar a vida. Fazer turismo é finalmente algo que passei a amar cada vez mais. E essa viagem tinha a vantagem de ter as despesas com avião e alojamento pagas pelo Estado, por ser uma saída à convite do Ministério da Juventude e Desportos para representar a província de Benguela na 2ª edição do Festival Jovem Namibe 2005, sob o lema: “Angola 30 Anos, Juventude Clamemos pela Pátria”, de 11 a 16 de Abril. A ansiedade se reforçava ainda mais, pelo facto de já ter estado só por algumas horas no Namibe. Se para muitos “recordar é viver”, para outros “recordar é sofrer duas vezes”. Para mim seriam as duas coisas, embora só estando Namibe teria a certeza.

Vinte elementos compunham a delegação de Benguela, quando o voo apenas tinha capacidade de levar catorze. Logo, dez delegados partiram na primeira caravana, às 10:40 horas, para o voo buscar os restantes às 13:30 horas. Tínhamos a missão de melhorar ou, no mínimo, manter a prestação da equipa que participou da edição anterior do Festival no ano passado. No aeroporto, onde cada delegado recebeu 4 mil e trezentos kwanzas para ajudas de custo, eu dançava e contava gracinhas, mantive o entusiasmo, mesmo depois de perder o telemóvel. Quem ficou abalado foi o Filipe, meu companheiro de viagem, que só voltou a sorrir com o reaparecimento do telemóvel.

Do ar observava a obra da natureza. À medida que o avião avançava, o verde dava lugar ao castanho, solidariamente a vegetação dava lugar ao deserto; era a passagem de Benguela para o Namibe. Ironicamente, os rios que nessa época estão com o caudal sempre alto, pareciam pequenos fios de água movente acastanhada, que contornando serras seguiam fielmente seu destino: o mar. A larga extensão de deserto arenoso nalguns momentos tinha tanta paz e magia que parecia um lençol encarnado sobre uma cama onde dentro de instantes um casal apaixonado estaria a fazer amor, com doses repetidas de orgasmo. Em uma hora e meia de voo tem-se a ilusão de ser a terra tão pura, tão inofensiva…

O grupo voltou a juntar-se às 15 horas e foi “recebido por um funji com calulu e feijão de óleo de palma”, no Parque de Campismo Raul de Sousa Júnior, à beira-mar plantado, na marginal do Namibe. Que espectáculo é a marginal, onde os homens construíram bancos com palas de sombra feitos de betão para tantos e vários proveitos! (Namorar seria um deles, ler, meditar…) Completavam a paisagem, num perímetro de 1,5 km, cerca de 96 roulotes montadas no quadro das festas do mar, com diferentes nomes, incluindo “família Payhama”. No pequeno receptor soava o programa “Rádio Jovem”, da Rádio Namibe. Um dos colaboradores do Rádio Jovem em Luanda interveio por telefone. Tratava-se de Moisés Luís, apresentador do “Revista Musical” da Televisão Pública de Angola (TPA). A conversa girava em torno da participação pouco frutífera dos músicos e artistas angolanos no Award (gala de premiação) da Chanel-O, televisão Sul-africana; ainda no programa, a jovem cantora Yola Araújo em directo e via telefone apresentava a alma do seu mais recente trabalho discográfico “Um pouco diferente”, e não escapou à algumas perguntas “atrevidas” do locutor.

A tarde de sábado e o domingo serviram para nos acomodarmos ao clima e às tendas onde nos alojamos, mas também para observar parcialmente alguns pontos de referência da cidade. Três guias e um autocarro foram postos à disposição dos benguelenses. O curioso é que, excepto a moça, os outros dois guias também não são naturais do Namibe; um é da província de Malange e o outro do Zaire. Minha paixão pela cidade e pela natureza crescia progressivamente por cada surpresa e pela hospitalidade. Meus olhos seguiam instintivamente o movimento das ruas, o dançar do mar, a vaidade do vento, o sorrir de cada rosto e, não sendo crime, o balançar de algumas bundas… Enfim, agradava a ideia de estar de volta no Namibe, dois anos após a última vez, em Agosto de 2003. Mas logo fiquei chocado, enquanto de autocarro girávamos pela da cidade: o mercado informal, vulgo praça do Mandume, já não existe. Aquela moldura humana e o movimento de compra e venda no espaço à entrada, bem nas costelas da cidade, perto da Pensão das Organizações Kilembeketa, a praça que para sempre guardarei na memória, hoje deu lugar à monotonia. Transformou-se numa pálida paragem de táxis internos e para o Lubango. “O terreno foi recebido pelo dono. A praça agora fica no Cinco”, justificou a moça do protocolo, que servia de guia para os delegados de Benguela. Mal sabia ela que mais do que uma praça se havia mexido com o meu passado…!

Porquê 5 de Abril? Se calhar deram ao novo bairro o nome de 25 de Abril, dia revolução pela libertação das colónias portuguesas! Parecia consensual entre os excursionistas, até o guia principal e o motorista nos contarem, pouco depois, a origem do bairro e significado do nome “Cinco”. É que no dia 5 de Abril de 2002, o bairro “Nação” foi drasticamente assolado pelas cheias do rio, resultando em danos materiais consideráveis e alguns mortos; tão grave assim que o bairro foi extinto e os moradores tiveram de ser instalados em terreno baldio fora da cidade, no sentido leste, onde ergueram suas residências com um ordenamento do Governo. Os “heróis” baptizaram o novo bairro de “5 de Abril”, como um marco eterno daqueles que sobreviveram da catástrofe e/ou daqueles “oportunistas” que passaram a ter um pedaço para construir. “Muitos desses que viviam nas garagens e nos anexos aqui na cidade, vieram a correr para ganhar um pouco de terreno para construir”, lembrou o motorista. Lá diz o velho adágio umbundu: “pu’ungunda ukuanjeke opo pekuto li’ukuavipepe” (desgraça de uns, felicidade para outros).

Deixando o 5 de Abril e de volta no centro urbano, mesmo com os assentos sem estofos do nosso “caio” (marca do autocarro), não notamos um único salto. Havia de facto, e sem exagerar, mais saltos no avião do que na estrada, com um tapete de asfalto genuinamente negro e com uma camada de aparentemente quinze centímetros. É uma das poucas situações em que “negro” indica algo de “positivo”. Negro e limpo, o lençol de asfalto dava a sensação de que estaríamos a sonhar ou então recuando até a era colonial, mas não. Era apenas uma obra feita por homens, nos dias de hoje. Alguém entre os excursionistas apontou o facto de chover pouco no Namibe como sendo razão da excelente condição das estradas.

O retracto mental que eu tinha, dum Namibe cidadezinha sem movimento apesar da vantagem do mar, fruto de quatro horas de observação, se desfazia. Na verdade, o que voltei a ver foi uma cidade vasta e limpa, com muitas ruas e edifícios, não sendo também ínfimo o número de carros. Mas como a natureza é mãe do contraste, há uma divergência entre a imagem radiante do Edifício dos Caminhos-de-ferro de Moçâmedes e o estado das carruagens, cuja cor se assemelha às vestes dum menino de rua lavador de carros. No Namibe, algumas partes se parecem mais com a restinga do Lobito e certas esquinas de Benguela, já outras lembram Luanda. Três semelhanças numa só cidade, Namibe; onde na mesma rua em que os mercados e lojas luxuosas disputam a atenção dos interessados, também coabita um muro de adobes idoso e bem vistoso. Era o Namibe, cidade mística, afinal impossível de conhecer em quatro horas. Ao todo, vi nas ruas apenas 4 jovens zungueiros (vendedores ambulantes) e um maluco. Por que será?

Passando pelo hospital Central do Namibe e suas dependências é visível o investimento do Governo no sector social, cenário que condiz com as estruturas do Instituto Médio Normal de Educação (IMNE) e do pólo Universitário. Este último em estreia, vai leccionar cursos do sector marinho (biologia marinha, electricidade e gestão) albergando 400 estudantes, entre os quais provenientes de Luanda e de outras províncias. O desafio do próximo ano é arrancar com as especialidades do Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED): história, geografia, psico-pedagogia, para só citar alguns. As novas instalações do IMNE têm 12 salas de aulas, uma construção que levou cento e oitenta dias, no ano passado, e à cargo da empreiteira Cardis, sob gestão da Gespconsult Lda. Infelizmente, à semelhança de resto do país, no Namibe o IMNE funcionava em instalações da igreja católica, com gastos consideráveis no arrendamento mensal, segundo o guia. A alguns metros a leste, na estrada que dá ao aeroporto, a mesma via que liga o Namibe aos municípios do Tombwa e Virei, fica o lar dos estudantes que, cansado de bronzear-se ao sol exige alguma intervenção. Mesmo não tendo observado o interior, pelo menos a pintura já não tem brilho, enquanto que o capim invadiu o pátio, um favor da natureza que se encarregou daquilo que os homens não fazem, a jardinagem, talvez por falta de iniciativa, ou talvez por comodismo. De resto, a cidade é conhecida pela escassez das chuvas, tanto assim que já um mês se passou desde as últimas chuvas. “Aqui dificilmente chove”, reforçou o guia principal, Vidigal Lopes.

A paragem a seguir foi no Aeroporto Yuri Gagarine, que dista aproximadamente 8 km da cidade do Namibe. Uma rotunda oval logo à chegada chama à atenção não apenas pela tentativa de vegetação, mas pelos símbolos político-militares que constituem o memorial em três cenários: Numa placa de mármore sobre uma estrela, lia-se em letras maiúsculas: “A la memoria del piloto cubano 1º TT. Pedro Pablo Reinoso Bernal, que cayera en el cumplimiento de su deber internacionalista en Namibe el 13.2.88”; o 2º rectângulo oblíquo mostra: “A la memoria del suboficial Luis Moinelo Dias quien cayera en el cumplimiento de su deber internacionalista en 17-5-89”; uma asa de mig, aparentemente tombado, apresenta no centro um círculo colorido com a bandeira do MPLA, ao lado de uma metralhadora neutralizada. Chocante é a monotonia do aeroporto às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras, quer se trate dos voos da Taag, quer de operadoras privadas. “Aqui o movimento de negócios é parado” – lamentou o motorista do autocarro – “Muitas vezes a mercadoria que vem no porto volta ao Lubango” – continuou. Falando em negócios, alguém ainda terá de me explicar a razão do “exagerado” número de farmácias, plantadas de palmo em palmo, mormente na periferia. Impressionante! Certamente, um estrangeiro desinformado talvez se julgasse estar no Uige, a terra campeã das mortes, por doença causada pelo vírus marburg. No aeroporto, dois jornalistas da TV Bahia do Brasil, Júlio César e Wanda Chase, voltavam ao Brasil depois das filmagens sobre a cultura dos povos da Huila e Namibe. Conversamos brevemente sobre as vantagens e jogos de cintura no jornalismo e ofertaram-me um CD de Daniela Mercury. Gostei. (Continua na próxima edição)

Gociante Patissa, sábado, 7 de Maio de 2005
Activista de Educação Cívica e Direitos Humanos e Radialista Amador
Bairro da Santa-Cruz, Lobito, Caixa postal 208-Catumbela

sábado, maio 28, 2005

ACONTECEU EM ANGOLA

Esta crónica foi escrita em Maio de 2000 e publicada no jornal de parede "Encontro", no Seminário Maior do Bom Pastor/Filosofia, em Benguela-Angola. Publico-a aqui sem nenhuma alteração, porque sobre o 27 de Maio de 1977 pouco mudou, ou seja, sabemos tanto hoje como sabíamos há cinco anos. Bom proveito!!!!!!!

ACONTECEU EM ANGOLA!

Kusseteka natural de Bimbe/Bailundo-katapi, filho do soba da aldeia e de mãe desconhecida. Kusseteka teve um sonho no tempo do tuga: ser médico para resolver as mil “mbwandjas” de saúde de seus irmãos. Por benção dos “olondele” conseguiu. Virou grande médico. Era adorado e glorificado por todos os “aldereiros”, porque para cada doença tinha um remédio. Depois de tomar os remédios os doentes ou ressuscitavam ou morriam. Era tal a proeza e o milagre de Kusseteka!
Soba morreu. Kusseteka, único ‘macho’, ficou soba. Habituado a ser único médico a cuidar dos doentes no seu consultório/escritório sem concorrência, nem conselho de ninguém, porque só ele que é o sô doutor... Dias depois mandou partir o ‘ondjango’. Houve descontentamento da parte dos kotas: brincadeira essa de Kusseteka! Foi o primeiro fracasso de Kusseteka.
Mas... kota Nito não quis ficar na massa reagente. Então, organizou sua malta e... pronto a acabar com a brincadeira de Kusseteka e voltar aos velhos tempos! Mas...Kusseteka, por sorte dos santos, tinha uma força maior e conseguiu ganhar e esmagar a revolta. Assim, no dia 27 de Maio de 1977 tomou a palavra e disse a todos “aldereiros”: «não haverá perdão para todos os indivíduos envolvidos na intentona nitista. Eles são uma grande bactéria. O antibiótico é a pena de morte». E ... seus pupilos gritaram: viva kota Kusseteka. Vamos caçá-los e iliminá-los! Viva! Viva!!!
A partir de então até então, reinou um grande recalcamento na aldeia. Ninguém mais ousou abrir o bico. Encerraram-se as portas!
Mas ... os viventes daquela época, hoje querem mostrar que ainda podem falar e exigir justiça. Porém ... os pupilos de kota Kusseteka ‘estão de olho’, pronto a ver e a acertar nas bactérias com o remédio certo. E ... os “aldereiros” vão vivendo aos soluços, sem poder de exigir justiça, salário justo e atempado, escolas, saúde, pão, água, habitação... O medo faz moradia na aldeia. Ninguém quer ter a mesma sorte de kota Nito e dos nitistas... Mas ... pupilos de kota Kusseteka, o medo está a acabar... por isso...!!!
Até breve.
*Qualquer coincidência com a ficção, esta é a pura realidade!
KALOMBONDE

sábado, abril 23, 2005

DEPUTADOS DA OPOSIÇÃO DEVIAM FILIAR-SE NO MPLA

Deputados da oposição deviam filiar-se no MPLA, excepção seja feita aos do PRS
«Habemus Provedor de Justiça»!? Acabava de ver a notícia da eleição do novo Papa, que recaiu sobre o Cardeal Joseph Ratzinger, quando tomei conhecimento do e-mail que me foi enviado pelo meu amigo e distinto cidadão, Luís Araújo, que preside a associação cívica SOS Habitat, no qual me dava conta da eleição de Paulo Tjipilica ao cargo de Provedor de Justiça. Não há muito tempo, neste espaço, quando ainda se conjecturava a sua eleição, manifestei as razões da minha discordância e apresentei o enquadramento teórico e jurídico em que se conforma a figura de Provedor de Justiça, pelo que, hoje, se afigura desnecessário repeti-las. Na altura, como aliás fica confirmado, tinha plena consciência da impotência em que me encontrava ao emitir a minha opinião; fi-lo por imperativo cívico, dado que não compreendia, e continuo sem compreender, como é que alguém, como o cidadão em causa, que não oferece as mínimas condições políticas de independência, pode ser proposto, e inclusivamente eleito, para exercer um cargo cuja a margem de manobra e o poder de intervenção reside sobretudo na autoridade pessoal de quem o preside. No entanto, houve reacções que se seguiram – vindas de organizações cívicas angolanas, designadamente uma posição pública conjunta assinada pela Associação Justiça, Paz e Democracia, pela SOS HABITAT, pelo Centro Nacional de Aconselhamento (NCC), pelo RTC – Coligação para a Transparência e pela ADPCI, na qual solicitaram a todos os Deputados que criassem uma comissão de inquérito para aferir da idoneidade de Paulo Tjilipila, e apelavam para os perigos de se eleger uma pessoa sobre a qual recaem graves acusações públicas de práticas contrárias ao Direito e à Justiça – que fizeram nascer em mim a expectativa de que os Deputados, sobretudo os da Oposição, dificilmente aceitariam a referida pessoa. Não se pode, de ânimo leve, não dar atenção às acusações públicas que pendem sobre a pessoa em causa, mais ainda porque o cargo de Provedor de Justiça está, em muito, dependente da especial relação de confiança que os cidadãos e organizações cívicas estabelecem com o titular do cargo. Ocorre que Paulo Tjipilica não tem, na actualidade, qualquer credibilidade política, não só junto da sociedade, como também nos círculos do poder. Como poderá assim defender os direitos e interesses dos cidadãos em confronto com os poderes públicos? A nossa memória ainda está bastante fresca: Paulo Tjipilica acaba de sair do Governo, tendo, inclusive, batido recorde na manutenção do mandato enquanto membro do Governo central; esteve mais de 10 anos a dirigir o Ministério da Justiça, com uma oportunidade soberana de fazer reformas tão desejadas há muito. Porém, só lhe ficámos a conhecer a retórica vazia. Que não nos enganemos, não foi por competência que o mesmo se manteve tanto tempo à frente dos destinos da Justiça, não, até porque não parece que a competência tenha sido, algum dia, o critério seguido por quem tem poder de nomear e exonerar os Ministros; pelo contrário, quanto a nós, foi por cumplicidade, por estar comprometido e por ter perdido a capacidade política de propor e fazer. Sendo assim, importa perguntar, mas só àqueles que têm um mínimo de juízo e razoabilidade (porque aos outros nem vale a pena, uma vez que já sabemos do que são capazes, ou melhor, do que foram capazes: nomear um Provedor que será apenas uma figura cosmética, de «fachada» e «encenadora»): porque razão foi eleito Paulo Tjipilica? Não creio que haja alguma razão que seja minimamente convincente e defensável. Continuo a pensar que se trata de pura acomodação política. O que não é de estranhar, sendo uma iniciativa do partido governante, que, ao fim ao cabo, sempre nos habituou a manter toda a «lixeira» de pseudo «ex-governantes» activos e acomodados no poder, como se estivessem algemados com uma corrente elástica. Todavia, o que é profundamente obsceno e deplorável, e deixa-me completamente destroçado, é o facto de a oposição ter viabilizado a eleição de Paulo Tjipilica. A eleição do Provedor, nos termos da nossa Constituição, só pode ser conseguida com uma maioria de 2/3, o que, no actual quadro, obriga a um compromisso entre o partido governante e o maior partido da Oposição. Neste sentido, em minha modesta opinião, a Oposição tinha uma excelente oportunidade para exercer o seu papel, que não seria de se opor cegamente, tratava-se simplesmente de apresentar candidatos alternativos, que oferecessem o mínimo de garantias exigível. Perante o que aconteceu, é legítimo dizer que provavelmente andámos enganados; temos acreditado que, apesar de tudo, existe uma Oposição angolana capaz de opor-se construtivamente ao Governo, capaz de condicionar certas opções estratégicas e capaz de apontar um rumo diferente ao país, quando, infelizmente, parece que não tem tal capacidade ou, na pior das hipóteses, ela própria não existe. Se assim for, devemos nós desenganar-se! É facto que uma solução de compromisso pode estar na origem do voto favorável da oposição, excepção seja feita ao PRS. Se não tiver sido por solução de compromisso, possivelmente a UNITA terá viabilizado a eleição influenciada pelo factor étnico (o que é pouco provável) ou pela errada convicção de que estavam perante um antigo correligionário, que ainda conserva os valores e princípios que juntos comungaram, ao invés de olharem para o perfil e postura política dessa pessoa, hoje. Seja qual tiver sido a motivação é, sob todos os prismas, reprovável. Se for uma solução de compromisso, a UNITA estará tremendamente desorientada, porque revelaria não ter bem a noção estratégica que resulta dos ganhos parciais na consolidação de instituições vitais da democracia, como é o caso da Provedoria de Justiça. E se for verdade que a UNITA embarcou numa solução de compromisso, assim como os demais partidos da oposição, inclino-me a acompanhar o grito de revolta, tal como o expressou o meu amigo Luís Araújo no seu e-mail: «é melhor formalizarem a filiação partidária no MPLA», para que não continuemos a ser enganados, pensando que existe uma oposição, quando, na verdade, existirá apenas no «mundo das ideias». Com a viabilização do Provedor de Justiça, a Oposição banalizou o parlamento. A partir de agora deverá ficar calada quanto a matérias de igual natureza. Não parece que seja assim que se constroem alternativas e se mobiliza a sociedade para a mudança. Ainda que das alternativas que indicassem, se as tivessem ao menos apresentado, nenhuma fosse aprovada, a sociedade tomaria consciência de que existem pessoas capazes que podem a fazer a diferença e melhor do que o que tem sido feito até aqui, o que seria, sem dúvida nenhuma um ganho. E as pessoas não teriam que ser necessariamente da UNITA ou de outro partido da Oposição, poderiam até ir buscar alguém que fosse próximo do MPLA, mas cujo o perfil oferecesse a tal margem de manobra que já referi. Para terminar, vale referir que acompanhado do e-mail do meu amigo, Luís Araújo, vinha uma carta do escritório das Nações Unidas em Angola, dirigida às organizações cívicas angolanas, sensibilizando-as para a importância que terá a interacção com o Provedor de Justiça ora eleito, e afirmando que o Provedor de Justiça poderá fazer muito dependendo do papel que as organizações tiverem. Primeiro, acho infeliz a carta, discordo do ponto de vista que apresentam. É enganador. Porque sabemos, à partida, que o Provedor eleito não terá qualquer capacidade política para afrontar o poder estabelecido, porque ele próprio é parte e está mancomunado com este poder. A sua eleição é uma tremenda encenação, falseada de «democracia». É por isso que entendo que os representantes dos escritórios da Nações Unidas em Angola deveriam ter alguma contenção e evitar fazer pronunciamentos que denigrem e desprestigiam uma instituição internacional tão valorizada como a ONU. O problema que se coloca não é de fazer alguma coisa para constar dos relatórios, «para o inglês ver», trata-se, efectivamente, de ter as garantias mínimas de que o Provedor vai actuar em defesa dos cidadãos, dos princípios e valores constitucionais e dos mais nobres interesses públicos em jogo. São essas garantias que não existem, porque o Provedor eleito, com todo respeito que a sua pessoa nos merece, é um impotente «ab initio».
Pedro Romão, Estudante de Direito e Membro da Associação Justiça, Paz e Democracia

sexta-feira, abril 22, 2005

O NOSSO JURISTA

É de novo quinta-feira, são 20h30. Desta feita, encontro-me novamente no aeroporto da Portela, já não para tentar despachar mais uma parte da bagagem de um colega que se encontra na terra, mas sim para dar um grande abraço de bom regresso a uma compatriota. Ela terminou o curso de medicina dentária, com bastante brilho, por isso, vai com grande satisfação de dever cumprido.
Para nós que ficamos é sempre motivo de orgulho e de tristeza ver alguém que está de volta à casa. Orgulho porque é mais um filho (a) da terra que termina um curso superior e vai engrossar o leque dos quadros superiores do país, contribuindo assim para o seu desenvolvimento e crescimento, se bem aproveitados. É motivo de tristeza, porque ficamos privados da sua companhia física, do seu carinho, da sua amizade... de tudo que a sua presença representa, pelo menos até ao próximo reencontro.
Entretanto, não é de quem parte que nos apraz falar, mas sim do nosso "amigo jurista" que voltei a encontrar no aeroporto da Portela. Foi um reencontro difícil, confesso. Não queria acreditar naquilo que os meus olhos viam!!! Depois de uma longa hesitação, tomei coragem e aproximei-me do "nosso jurista", na expectativa que me fosse reconhecer, mas nada. Desanimado com o meu esforço não correspondido, aproximei-me mais do "jurista" e abordei-o como os outros: « boa noite! Será que me pode ajudar? Preciso muito enviar para Luanda uma impressora para um amigo». O "jurista" olhou-me bem nos olhos e, eu saisfeito de que ele me tivesse reconhecido, esbocei um sorriso amigo para quebrar o gelo, falicitar a negociação qui ça enviar de graça - e ai estaria feito porque eu não tinha impressora nenhuma - , mas o "nosso jurista" não me reconeheceu - que bom porque livrei-me de ser descoberto! -. Em resposta ao meu pedido, ele puxou-me à parte e perguntou: « quanto pagas?» Atónito, respondi-lhe: « nada, por isso estou a pedir-lhe um favor!». Ele pura e simplesmente não achou piada e dirigiu-se para outros que ali estavam com ar de quem paga bem.
Retirei-me com vontade de perguntar-lhe: então, ainda não voltou para o tribunal no exercício das suas funções? Tirou algumas férias por motivos válidos e está a aproveitar fazer um bocado de esquema, pondo em prática o direito comercial? Mas logo no aeroporto, não acha arriscado demais, já que os seus colegas podem passar por si nas suas vindas e idas? Será uma situação comum, daí não se importar com a escolha do lugar?
Seja verdade ou não, deu-me um aperto e pensei nos milhares funcionários da função pública, com salários altamente atrasados, mas sem alternativa à vista porque sem recursos que lhes permitam desenrascar-se em esquemas como o do "nosso jurista" ou semelhantes; pensei naqueles funcionários públicos cuja única alternativa - para cumprir o mandato do chefe : viver de esquemas ou fontes alternativas - é carregar ainda mais o fardo do pobre com as famosas gasosas na escola e na saúde; pensei naqueles que não podem recurrer a empréstimos sérios porque sem posses que cubram os riscos, restando-lhes o jogo da kixikila ( empréstimos semanais que têm origem no Roque entre os vendedores), que não raras vezes agrava a sua situação em si já periclitante...
Consegui pensar no nosso UÍGE abraços com a epidemia do Marburg, cujo fim parece tardar. Pensei nos funcionários da saúde do UÍGE cujo heroísmo é indescritível. Com salários de miséria, quando chegam, porque na maioria das vezes demoram uma eternidade, mas não cruzaram nem cruzam os braços e trabalham abnegadamente para tentar salvar as vidas possíveis de salvar!!!
Consolei-me, finalmente, com a certeza de que há ainda gente honesta e de bem que, não obstante os salários de miséria, o seu atraso e o conselho do chefe de viver de fontes alternativas ou seja de esquemas, luta por manter-se na sua profissão e honrá-la com dignidade. Está de parabéns o pessoal de saúde do UÍGE que vai fazendo pequenos milagres, não obstante todas adversidades.
Upindi Pacatolo

segunda-feira, abril 04, 2005

TRÊS ANOS DE PAZ, E AGORA?

Como comemorar a paz de 4 de Abril, com a guerra em CabindaNeste mês de Abril, Angola celebra o fim da guerra que durante quase três décadas dilacerou profundamente a nossa sociedade. Felizmente o triste calvário, de confronto armado, de matanças de civis inocentes, de destruição incalculável das infra-estruturas, de retrocesso transversal a todos os níveis, parece ter terminado. E digo parece ter terminado porque Cabinda tem estado em guerra; porventura sem a mesma intensidade - e com certeza sem a mesma cobertura mediática - daquela que verificávamos na guerra levada a cabo pelos dois grandes movimentos de libertação, hoje na veste de partidos políticos. É por isso, de certo modo, contraditório falar de paz em Angola, enquanto uma província sua se confronta com um indesmentível estado de guerra, a menos que, afinal, Cabinda não é Angola. Segundo relatos do clero local e da organização cívica Mpalambanda tem havido confrontos armados, se bem que esporádicos, dado que a guerrilha ficou desarticulada, que têm dizimado vidas humanas de civis inocentes, e está instalado em Cabinda um clima de quase estado policial, senão de terror, com os cidadãos a viverem em permanente insegurança. Então não foi por causa deste estado de coisas que organizações cívicas, pastores das igrejas angolana, partidos políticos da oposição civil se bateram, durante muito tempo, pelo fim da guerra? E se ela continua em parte do território nacional, porque razão há-de se fazer silêncio? Ou será que as vidas em causa em Cabinda valem menos do que noutras partes de Angola? Ou será que a intolerância política e as ameaças de morte de que são alvo os nossos concidadãos em Cabinda, que não são militares e nem estão nos cenários de confronto armado, não dizem respeito aos angolanos pacifistas, religiosos, humanistas e activistas de direitos humanos? É óbvio, quero crer, que dizem respeito! Sendo assim, apenas posso compreender que só razões de ordem táctica e oportunista estejam em causa; uma vez que a questão de fundo de Cabinda, na sua vertente de luta pela independência, seja politicamente fracturante: ou se é a favor da independência ou não. Ou seja, as pessoas parece recearem reprovar as práticas do Governo em Cabinda, porque temem ser vistos, ou conotados, como defensores da causa dos independentistas. Esse prisma maniqueísta de colocar o problema: de um lado os que são a favor da independência e de outro os que não são, é falacioso, senão falso. Porquanto não ser a favor da independência não é incompatível com a defesa da vida, do diálogo, da tolerância, da estabilidade e da paz social em Cabinda. Torna-se assim lamentável e incompreensível o silêncio que se tem observado em relação ao caso Cabinda; bem se percebe que o Governo está, hoje, com o «baralho» todo e portanto determina as regras do jogo. Contudo, julgo que não vale a pena o Governo continuar a «fazer de conta» que o problema não existe, dado que se trata de um problema real e com raízes profundas, e que não parece que vá terminar brevemente só porque há uma presença esmagadora das Forças Armadas Angolanas, que até terão destroçado a guerrilha das facções independentistas. Apesar de não conhecer, quiçá o mínimo necessário, da história e dos fundamentos subjacentes à questão de Cabinda, que me autorizariam a falar com propriedade, parece-me que o problema é fundamentalmente político e reclama, em consequência, uma solução política. É evidente que não sabemos se no mais profundo da vontade dos cidadãos de Cabinda haverá a aspiração pela independência tal como defendem alguns dos independentistas; será o mesmo que dizer que ninguém pode afirmar com certeza absoluta que as Flec’s representam a maioria dos cidadãos de Cabinda. Ou se, pelo contrário, não será uma consciência de injustiça e marginalização social que está em causa e que atiça o sentimento de autodeterminação em muitos cidadãos que habitam aquela parcela territorial. Porém, ainda que a luta que parte do povo de Cabinda faz resulte mais duma consciência de injustiça e menos de convicção pela genuína autodeterminação fundada, ainda assim estamos perante um problema que reclamaria do Estado soluções pensadas e não apenas sustentada força. É incorrecto e muito leviano refutar o sentimento de independência que se baseia no sentimento de injustiça dizendo apenas que «a ser assim, todas as províncias que se sentem injustiçadas, como são, a título de exemplo, os casos das «Lundas», teriam também direito à independência». A coesão e integridade nacionais asseguram-se mais com a integração e desenvolvimento das várias regiões (ou se quisermos províncias) que compõem o país, dando-lhes a autonomia necessária para que protagonizem, elas próprias, o desenvolvimento, com respeito pela unidade nacional, pela justa e proporcional contribuição pelo esbatimento das assimetrias existentes no todo nacional. Na verdade, com o actual sistema em que os governadores provinciais têm a mínima, ou até nenhuma, legitimidade democrática, mas acabam por ser os senhores «todo-poderoso» nas provinciais, decidindo sozinhos as prioridades do interesse público e o que fazer com os dinheiros que são destinados pelo Orçamento Geral do Estado às províncias, vão-se eternizar e reproduzir os sentimentos de exclusão e injustiça, causadores de convulsões sociais. E o problema torna-se mais grave se tivermos em conta a maior parte das províncias do interior do país, que são tratadas como parentes paupérrimos do Governo central. Faz todo o sentido que no quadro da reforma política do Estado, mormente na elaboração da futura Constituição, se eleja como prioridade incontornável a instauração das autarquias locais. É preciso que os problemas mais próximo dos cidadãos sejam resolvidos pelas autoridades locais que estejam mais próximo deles, partindo do pressuposto de que o Estado proporcionará os meios financeiros e administrativos necessários à execução das respectivas tarefas. As autarquias locais permitem que os cidadãos se sintam envolvidos e participes na governação dos interesses que lhes são mais próximos e dizem directamente respeito, com isso, serena o sentimento de marginalização em face das decisões políticas que influenciam o seu dia a dia; as autarquias locais servem também como uma escola política dos futuros dirigentes da Administração central do Estado e um espaço de acolhimento de todos aqueles que legitimamente aspiram exercer o poder político. Claro que Cabinda é um caso sui generis; mas a sua resolução passa inquestionavelmente pela existência de vontade política, de abertura para o diálogo e de ponderação criativa dos protagonistas políticos e sobretudo dos decisores. Nada obsta a que, no quadro da reforma política em curso no país, se pense num modelo de autonomização para Cabinda. É de elementar justiça que os cidadãos de Cabinda sintam que a sorte natural que tiveram ao nascerem naquele território tem implicações no nível e qualidade de vida que merecem ter - tal como merecem todos os angolanos, porque as riquezas que têm, racional e equitativamente distribuídas, o permitem. Voltando à questão inicial: a continuação da guerra em Cabinda não é nada de surpreendente, atesta bem os precedentes que se foram sedimentando na nossa história recente, de incapacidade de diálogo face a problemas de natureza político. Claro que não advogo que o Estado se demita de assumir a sua função de garante da legalidade. Mas o exercício dessa função não pode cegar o Estado na busca das soluções que acautelem valores maiores em causa, como seja a vida humana, a estabilidade e a paz, que são, afinal, os pressupostos para a instauração de um verdadeiro Estado democrático de direito e de um clima propício ao relançamento da nossa economia. Só neste quadro dar-me-ia por satisfeito e aceitaria comemorar - com a euforia que se apela e em plenitude - o dia 04 de Abril, porque traduziria efectivamente paz em Angola, de outro modo, seria nos iludirmos.

Pedro Romão, Estudante de Direito da UCP - PORTO e Membro da Associação Justiça, Paz e Democracia

sábado, abril 02, 2005

AMICI NON SERVI

Quando são passados três anos sobre a data da publicação deste manifesto no Seminário Maior do Bom Pastor - Secção de Teologia,Diocese de Benguela e, numa altura em que alguns dos seus signatários e obreiros são padres e diáconos, apraz-nos trazer à luz do dia este manifesto. Publicá-lo, neste momento, é uma forma de honrar a história recente do Seminário e, sobretudo, mostrar como a obra de Deus exige "fazer-se ao largo"..."abrir as portas à Cristo"..."ouvir o sopro do Espírito"..."libertação dos caprichos humanos"

"AMICI NON SERVI"
"CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE LIBERTAR-VOS-Á" (J0. 8,32)
Na "Gaudium et Spes" de Cristo que nos chama a sermos amigos e não servos, assumindo a eucaristia como vida - compromisso, juntos e livres, num só coração e numa só alma, e partindo do programa pastoral dos Bispos 'Justiça e Pão para todos', vimos por este meio, depois de longo tempo de inquieto conformismo, manifestar ao nosso querido pastor, D. Óscar Braga, a nossa mais profunda insatisfação.
Somos livres, criados à imagem e semelhança de Deus. Temos uma dignidade, recebemos uma vocação a qual muito amamos, estimamos e pela qual humildemente lutamos, não como mérito nosso, mas como Dom gratuito de Deus que transportamos em nosso corpo frágil, humilde, mas por Cristo feito santo. Pena é sentirmos que este precioso Dom do Pai serve, hoje, para nossa escravidão e desrespeito e por ele somos obrigados a carregar a cruz da sobrevivência e da ingênua frustração que em nada tem a ver com a cruz do sacrifício e do amor de Cristo. É bastante difícil, ter que abordar um problema que em situações normais nunca deveria ter sido apontado, sobretudo, num ambiente cristão como este e, ainda, num Seminário Maior de Teologia, onde o espírito de fraternidade e justiça devia ser o 'slogan' de cada dia. Mas, o problema existe, persiste e, infelizmente, deve ser abordado, pois, perigosamente, tem sido uma grande contracorrente no projecto vocacional que o próprio Cristo insuflou em cada um de nós. Não é possível caminharmos mais, embora a boa vontade não nos falte, nem a própria certeza do chamamento de Cristo. Ora, quando o estômago está vazio não há cabeça capaz de pensar. Ninguém pede mais senão o suficiente para vivermos como bons alunos e seminaristas com dignidade reconhecida. Assim, tendo presente todos os esforços de diálogo para uma formação mais digna da pessoa humana, e desiludidos pelas constantes respostas irresolúveis dos nossos principais responsáveis, para quem o problema é e continuará a ser uma 'vexatissima questio', com sinceridade, chamamos e apelamos às consciências dos mesmos a reconhecerem a dignidade que nos é devida, não só como cristãos, mas também como seminaristas e ainda como homens. É assim que os seminaristas diocesanos são a 'menina do olho' do bispo? É assim que o seminário é o 'Te Knon'(filho querido) da diocese?
CHEGA de nos amassarmos quando nos podemos amar. Chega de sermos seminaristas só quando se deve cantar na Sé; quando se deve encadernar para o Sínodo; quando pesa sobre nós o dever de cumprir o regulamento, exigindo que nos empenhemos fortemente no trabalho, nos ensaios de cantos, apesar de estarmos fisicamente debilitados pela nossa alimentação lamentável que nos obriga a fazer dos quartos autênticas cozinhas num real "salva-se quem poder", quando a economia devia ser a base de sustento da vida. Embora estejamos convictos de que a vida cristã busca antes o espiritual que o material, seria ingenuidade e blasfêmia excluirmos o " pão nosso de cada dia" das nossas necessidades não apenas vitais, mas também cristãs. E em decorrência de tudo isso, vemos um grande afrouxamento espeiritual. Para o cumulo, apesar de todo este sofrimento, ainda há professores que se dão ao luxo de reprovar injustamente um aluno por uma única disciplina. BASTA!!!
Exigimos, nós, seminaristas de teologia, que se contorne tal situação no tempo necessário. E enquanto se viabiliza a garantia de condições dignas e verdadeiramente humanas, nós assinantes deste MANIFESTO, ausentamo-nos abruptamente, com firme disposição de regressar tão LOGO SE SANE A PESTE. Desta feita, se no espaço de uma semana não formos devidamente informados através dos párocos ou outros meios justos, sobre as providências tomadas para o nosso bem-estar no Seminário, trataremos de retirar toda a nossa bagagem do mesmo, deixando que Deus decida pela nossa sorte.
Benguela, 23 de Março de 2002
Memória de S. Toríbio de Mongrovejo
Esperando o abrandamento ou o agravamento da situação, mediante as próximas informações, eu teólogo, por punho próprio, subscrevo-me(ver: 3Jo. 1,13-15ª)

domingo, março 20, 2005

PORQUE RAZÃO O MPLA NÃO MUDA?

Porque razão o MPLA não muda, e se não mudar quem o fará por ele?É muito provável que a pergunta que dá titulo a minha reflexão de hoje seja redutora e sugira igualmente uma resposta pouco aprofundada. Porém, esforçar-me-ei por ver um pouco mais longe daquilo que nos é dado a apreciar pelas aparências do quotidiano de um partido em que muitos, como eu, ainda esperam que saiba se posicionar face aos novos desafios da democracia. É sabido que o MPLA é um partido com elevada responsabilidade no presente e – acredito – no futuro de Angola. Não creio que alguém vaticina o seu desaparecimento no espectro político angolano, mesmo num quadro de pura «concorrência». É, sem dúvida, um partido de poder, desde logo, em virtude do seu passado histórico, e mais ainda, pelo facto de representar uma parte significativa dos cidadãos angolanos, apesar de presentemente não podermos, com precisão, estabelecer a percentagem exacta da sua representatividade.Julgo que agora não importa nos referirmos ao passado, cruel e atroz, que vitimou inúmeras vidas, que estrangulou a estrutura física do país e que nos relegou para um plano infra-humano e social. Porém, do nosso passado não nos podemos esquecer e devemos assumi-lo como lição a não voltar...O que é relevante actualmente é reconstruirmos as nossas vidas, é voltarmos a acreditar que uma nova Angola é possível, baseada na Paz, na Justiça (aproveitando a deixa do Congresso Pro Pace), no respeito pela diferença, na Educação, na democratização das nossas instituições e na estabilização e crescimento da nossa economia. Estes são alguns dos objectivos que devem ser perseguidos pelos partidos que desejam governar Angola, quaisquer que eles sejam. E o MPLA, porque é um partido com vocação de poder não deverá furtar-se deles. Mas não basta apenas a vontade de ser um partido com vocação e querer governar o país... Num quadro de competição política, como o que desejamos para o nosso país, os partidos devem, eles próprios, ser capazes e estarem a altura das exigências do momento na sociedade angolana.Significa isto que os partidos não só devem ter programas consentâneos com a democratização, o Estado de direito e o desenvolvimento sustentado, como também (o que é mais importante), devem ter pessoas com competência, vontade e fôlego, que resulte além da formação, das convicções e experiências de vida. Neste sentido, vejo com enorme preocupação a contribuição do MPLA no processo de democratização do país. Porque não tem as pessoas com esse perfil, ou se as tem, não têm o espaço e protagonismo necessário.Como consequência, o país está refém do MPLA, como esteve, a tempos atrás, de uma estúpida guerra.Fica mal ao MPLA continuar a declarar-se como agente da democratização e desenvolvimento de Angola, quando a sua prática continua a ser a de um partido internamente intolerante à diferença, ao pluralismo de opinião, ao confronto político entre as diferentes tendências – que acho que as há dentro do seu seio. E quando continua a ser um partido avesso à afirmação de novas lideranças, de novas ideias, e de novos métodos que privilegiem a democraticidade, a transparência, o mérito, a sustentabilidade, etc, que são afinal de contas, também, os apanágios dos desafios que se propõem ao país. Preocupa-me que essa postura errática do aparelho partidário do MPLA, pois o MPLA não se reduz àqueles que hoje o dirigem, é mais do que isso, representa um conjunto bastante diverso de cidadãos, que almejam ardentemente por uma nova Angola. E esse aparelho partidário tem rosto. E esse rosto tem nome. Chama-se Senhor Engenheiro José Eduardo dos Santos! Afora o respeito que nutro por ele (e que merece de todos os cidadãos) como, aliás, tenho por qualquer outro ser humano, desconsidero profundamente o método que hoje usa para dirigir o MPLA. Creio que é chegado o momento de o Senhor Engenheiro José Eduardo dos Santos abandonar o poder, devendo em consequência:Deixar que quem tenha vontade de firmemente democratizar o partido e, por via disso, contribuir para a democratização do país, o assuma; Deixar que quem tenha a capacidade e competência de apresentar novas ideias e indicar um novo rumo de desenvolvimento para o país, o faça; Deixar que quem tenha coragem de lutar contra a letargia social, contra a corrupção e contra a injustiça, se apresente primeiro ao MPLA e depois ao país. Por isso mesmo, é lamentável, que ele próprio continue a alimentar a esperança de dirigir o MPLA, ou pôr na sua direcção uma qualquer pessoa da sua conveniência, apenas com a obsessão da sua protecção futura, sem se importar com o futuro do partido e do país. Se isso acontecer, será mais um recuo e não avanço, será mau para um partido, que quer disputar «democraticamente» o poder com os outros partidos políticos. Pode até haver partidos na oposição que, também, não sejam democráticos internamente (o que não deixa de ser igualmente preocupante), mas o MPLA, quanto a mim, deve ser, tal como a UNITA e a FNLA, um partido exemplar e da vanguarda pelas mudanças positivas. Acho que é chegado o momento para que os militantes do MPLA tenham consciência do desafio histórico que lhes assiste: ou optem pelo caminho aparentemente mais difícil, mas que assegura mais vantagens futuras para a maioria dos cidadãos angolanos, ou optem pelo caminho mais fácil e menos digno, submetendo-se mais uma vez à vontade, que prefiro não qualificar, de quem se mostra já incapaz e sem forças para inovar e fazer melhor. Por amor de Deus, não deixem os créditos que têm em mãos alheias, pelo menos uma vez na vida. É importante para a democracia e para o país que o MPLA se regenere com o que tem de melhor dentro de si. Se o fizerem, todos iremos ganhar, para o bem do nosso belo e portentoso país (aproveitando a deixa da campanha patriótica da JMPLA).

Pedro Romão, Estudante de Direito e Membro da Associação Justiça, Paz e Democracia

sábado, março 19, 2005

VERGONHA OU FINURA?

O tempo passa e com ele coisas boas e más. Encontrámo-nos e nos desencontrámos com pessoas, umas boas e outras como Deus permite. Mas a vida é feita de pequenas e grandes coisas ... e o olhar dual para a realidade que nos interpela é quase forçoso. Nesse ir e vir, há coisas que vão ficando teimosamente. Assim, é o caso de uma frase que se vai tornando refrão nos nossos encontros e reencontros:«mudámos de continente, mas não mudámos de hábitos e costumes!». Se para algumas coisas e situações este refrão é motivo de orgulho e identidade, para outras é motivo de grande vergunha e pesar. Vamos falar daquelas (coisas e situações de orgulho e identidade).
À boa maneira da terra, fazer anos é um grande acontecimento e serve de pretexto para juntar família e amigos, em casa no final de semana - à volta de um bom calulu, feijão de óleo de palma, sumate, peixe grelhado ( na falta de um bom mukako) e o nosso pirão - para cantar os parabéns, desejar felizes e longos anos de vida, dançar, comer e beber. O momento é também aproveitado para o reencontro de amigos, separados pelas dificuldades e exigências inerentes à vida de emigração; para matar saudades e meter a conversa em dia; aproximações e troca de experiência entre gerações.
A pouco e pouco o ambiente vai aquecendo, e quando o encontro é em casa de alguém de respeito, em vez das nossas músicas e danças "modernas", ouve-se boa música da terra e conversa-se educadamente. O que é quase impossível hoje nas nossas festas e encontros, acontece com toda naturalidade: ninguém dança, simplestemente aproveita-se o momento para reflectir, trocar ideias, identificar pessoas e lugares comuns, recuar no tempo e no espaço distantes (para uns) e próximos (para outros), ouvir os mais velhos e ganhar juízo. Todos portam-se lindamente como se alguém tivesse dito «na minha casa as regras do jogo são essas!»
Entretanto, o tempo passa e os mais novos apercebem-se que os kotas são todos do Lobito excepto um de Benguela. Encorajados pela proximidade, começam a dar sinal de alguma impaciência. Para admiração dos kotas, os miúdos vão exprimindo a sua impaciência e o seu descontentamento não em calão, mas em Umbundu. Com esforço, os kotas percebem que não estão diante de uns miúdos quaisquer.
Nesse instante, porque a conversa já estava temperada com a cerveja, tornando-se quase impossível mantê-la só em Português, um dos miúdos pergunta aos kotas «alguém não fala ou não percebe Umbundu»? Depois de um breve silêncio, a resposta não se fez esperar «ninguém»! «Que alívio! Podemos conversar à vontade , sem correr o risco de ofender alguém por se sentir excluído» - desatou um dos miúdos.
De tão à vontade, os miúdos esqueceram-se do Português e começaram a falar fluentemente em Umbundu. Os kotas espantados e boqueabertos, dão-se conta que a geração da guerra fala tão bem e tão à vontade a língua que eles se desabituaram com o tempo - "não sei se é por vergonha ou finura, mas que finura é essa" (cf. Dog Murras). Do meio da assembleia, uma voz fez-se ouvir« vocês são mesmo do Lobito»? Em uníssono, os miúdos responderam «sim»! A voz carregada de alegria e admiração continuou « mas onde aprenderam a falar tão bem a nossa língua? Nós não falámos e nem entendemos tudo o que vocês dizem»! Intrigados, os miúdos responderam« aprendemos no Lobito, em nossas casas e aperfeiçoamos com nosso esforço e nossa vontade. Nós vivemos o mato na periferia da cidade». «Mas nós também somos do vosso bairro»! Rematou aquela voz do kota.
Sentido-se iluminado, um dos miúdos rematou« vocês cresceram numa época de transição do campo para a cidade, da colonização para a descolonização, em que falar Umbundu ou outra língua nacional era complicado. Vossos pais preferiram ensinar-vos Português e incentivar-vos no seu uso para não ficarem privados de muitas oportunidades, negando-vos assim um bem inalienável e tão precioso que é a vossa língua nacional. Esta ficaria por vossa conta e inteira responsabilidade, uma vez homens e mulheres que podessem lutar pelo seu ensino, defesa e preservação porque vos identifica como nação Bantu. Porém vocês cresceram e envergonharam-se do vosso passado e da vossa memória colectiva penetráveis apenas pela língua nacional. E, o resultado não podia ser outro senão esse.
Quanto a nós, geração da guerra, tivemos outra sorte. A escola deslocou-se para a periferia ( pelo menos os primeiros anos escolares); a cidade deixou de ser tão atractiva; a companhia dos avós e dos pais passou a ser fundamental na ausência de luz eléctrica e televisão. Apredemos o Umbundu! A guerra pós-eleitoral obrigou-nos a fugir muitas vezes e, nessas fugas redescobrimos o valor e o preço da nossa identidade linguística e da nossa unidade na diversidade. Aprendemos a dar valor a um bem inalienável: a língua. Por isso, sempre que nos encontrámos ou comunicámos fazemo-lo em Umbundu, mantendo a preocupação de não excluir ninguém do nosso convívio»! Ouviu-se do fundo da sala«Wamba ondaka!»
Upindi Pacatolo

segunda-feira, março 07, 2005

CONCLUSÕES DO II CONGRESSO PRO PACE

O II Congresso Pro Pace, subordinado ao tema “Construtores de Democracia”, foi aberto no dia 2 na Universidade Católica sob a presidência do Cardeal Dom Alexandre do Nascimento e encerrou hoje com uma Eucaristia na Cidadela Desportiva sob a presidência do Cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz. Entre os oradores, destaque para o Professor Cavaco Silva, ex-primeiro Ministro de Portugal, o Cardeal Renato Martino, o Arcebispo de Luanda, Dom Damião Franklin, o Dr Bornito de Sousa, a Dra Teresa Cohen, o Dr Jaka Jamba, o Rev. Luis Nguimbi, a Dra Vera Araújo e o jornalista Ismael Mateus. O Congresso foi organizado pelo Movimento Pro Pace, presidido pelo bispo do Uíje, Dom Francisco da Mata Mourisca.
A seguir transcrevemos todas as CONCLUSÕES:
“1. DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO. Em ordem a uma crescente estabilidade política e económica, que estimule os investidores e o desenvolvimento, sejam cada vez mais fortalecidos os mecanismos da nossa democracia, proporcionando a todos os cidadãos as mesmas oportunidades, com pleno respeito pelas suas respectivas liberdades fundamentais. E para que a reabilitação do nosso País bem como o seu desenvolvimento não sofram constrangimentos indesejáveis, saudamos todo o apoio possível da comunidade internacional, que nos ajude nesta hora crucial.
2. DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA. Seja garantida, em toda a parte, a vigilância e a defesa dos direitos humanos, com especial atenção para o direito à saúde e à reputação, mormente dos velhos, mulheres e crianças. Para tanto, urge proscrever radicalmente a profissão daqueles que, com as suas falazes adivinhações, põem em risco a segurança e a vida dos citados velhos, mulheres e crianças.
3. ELEIÇÕES E DEMOCRACIA. Para as eleições serem livres e justas, sejam também esclarecidas. E para serem esclarecidas, facilite-se a todos os cidadãos, mesmo das zonas mais remotas, o acesso ao conhecimento dos diversos Partidos e seus programas. Pela mesma razão, os eleitores jamais sejam condicionados, de forma alguma, nem por pressões, nem por intimidações, nem por aliciamentos indevidos. Além disso, sejam criados mecanismos adequados que não deixem margem a possíveis fraudes. E se algumas destas acontecerem, sejam submetidas a Tribunal credível que as julgue e sancione.
4. ALTERNÂNCIA DO PODER E DEMOCRACIA. Importa sobremaneira mentalizar os Partidos para a hipotética alternância do poder, de tal maneira que o resultado das eleições, uma vez verificada a sua legitimidade, seja aceito por todos com dignidade, sem contestações infundadas.
5. OPOSIÇÃO E DEMOCRACIA. Os Partidos concorram às eleições com verdadeiro espírito patriótico, colocando o bem nacional por cima do partidário, sabendo ganhar com modéstia e perder sem frustração. Em eleições democráticas, ninguém perde absolutamente, nem os que ficam na oposição, a qual constitui um cargo insubstituível em qualquer regime democrático.
6. LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. O direito à liberdade de expressão tem duas vertentes: a primeira, é o direito de manifestar a sua opinião por meios públicos sobre assuntos públicos que lhe dizem respeito; a segunda, é ser informado sobre as diversas opiniões acerca dos mesmos assuntos. Daqui a exigência da liberalização dos meios de comunicação social, entre os quais os participantes insistem que a Rádio ECCLESIA seja ouvida, quanto antes, em todas as dioceses ou Províncias.
7. CIDADANIA E DEMOCRACIA. Todos os cidadãos têm o direito e o dever de exercer a sua cidadania, participando, cada qual a seu modo, na vida pública. Um dos modos mais expressivos de exercer essa cidadania é a prática da votação eleitoral, especialmente se for autárquica. Então, na perspectiva das eleições nacionais que se aproximam, urge possibilitar as vias de acesso de tal maneira que, por falta desta condição, nenhum cidadão fique impedido de votar.
8.UNIDADE E PLURALIDADE. Os meios de comunicação social bem como quaisquer outros meios de comunicação sejam mensageiros da unidade na pluralidade, de forma a criar na consciência de todos os cidadãos um profundo sentimento de comunhão e amor fraternos, numa Pátria multiforme mas una e coesa.
9. DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. Para melhor realizar todo este ambicioso projecto, fazemos votos porque se difunda, no meio de nós, a Doutrina Social da Igreja, cuja edição brevemente estará disponível em língua portuguesa.
10. CONGRESSOS DIOCESANOS. Finalmente, pedimos a quem de direito que este Congresso se repita, em tempo oportuno, nas próprias dioceses ou províncias.”