segunda-feira, outubro 17, 2005

O IMAGINÁRIO DAS NOSSAS PATRÍCIAS!!!

Vou tentar ser o mais fiel possível e descrever-vos o que presenciei. Não é novidade para quem vive em Lisboa e tem olhos para ver e ouvidos para ouvir. Vinha eu no metro, em direcção ao Rato, perdido nos meus pensamentos, o que é normal quando não tenho um livro, revista ou artigo para ler, ou estou, simplesmente, sem disposição para tal.
Entre sentar e não sentar, decidi-me sentar, assim que o metro ficou descongestionado na estação de Entrecampos. Sem querer, o lugar vazio era ao lado de uma patrícia que trazia o filho no colo. Pelo rosto e fisionomia, a patrícia aparentava estar na casa dos vinte e tais ou trinta e poucos.
Na estação do Marquês de Pombal, entra uma outra patrícia que, reconhecendo a primeira, senta-se junto a ela e começa a conversa habitual. Procura saber como a outra está, o trabalho, os miúdos... Nesse entretanto, a primeira começa a lamentar a atitude do filho, porque é bastante lento, o que lhe faz chegar atrasada em quase tudo, porque tem que deixá-lo na escola. « Fogo! Aquele miúdo é muito lento. Tenho muita pena dele, porque quando crescer, com essa lentidão, não conseguirá trabalhar nas obras. Será um desempregado».
Prontamente a outra ripostou:« Epa não! Tas a gozar ou quê? Ele não vai trabalhar na obra coisíssima nenhuma. Então fartaste de trabalhar na limpeza e cafés e o teu marido nas obras para quê? Metes o teu filho na escola para quê? Todo esse esforço e sacrifício é pa ele continuar nas obras? Nada disso! Ele será doutor!»
Apesar do percurso entre o Marquês de Pombal ao Rato ser demasiadamente curto, esse é um daqueles momentos que nos apetece continuar a viagem e seguir o diálogo para meter uma colherinha de açucar. Mesmo assim, não perdi a oportunidade de dizer uma palavra, quando já íamos a subir as escadas: « sim senhora, apoiado. Ele não vai as obras! Nem sequer precisa, basta estudar!»
Continuei o meu percurso, enquanto a conversa das duas ia ficando distante. Sozinho continuei a falar. Pus-me a reflectir na conversa e no disparate que tinha dito. Na verdade, se o puto não estudar e não tiver estímulo para o fazer e se os pais estiverem determinados em ficar aqui( leia-se Portugal), a porta que se lhe abrirá é a das obras. Aqui precisa-se de gente forte e dispachada.
Com uma família cujo background é como o que estámos a descrever, os filhos precisam de muita sorte, força de vontade e uma benção especial para romperem esse círculo vicioso, que os espurra para o desânimo e reprodução do status social dos pais. Uma mãe assim,sem exemplos de sucesso, tende a transmitir aos filhos aquilo que é o seu mundo: ir as obras e ganhar dinheiro, por isso não precisa perder tempo com os estudos. Ou seja, pode ser lento e até desleixado com a escola, mas não pode sê-lo em relação as obras, porque senão tá feito.
Por outro lado, consola-me perceber, a partir da outra, que há gente desse mesmo meio, que pensa diferente, isto é, esforça-se, para que os filhos tenham melhores oportunidades e estejam preparados para as aproveitar. É muito reconfortante ouvir isso. Assim, o meu apoio tanto com a cabeça, quanto com as palavras que disse,faz todo sentido. Temos direito de aspirar pelo melhor e não importa a nossa origem. É preciso pensar que os nossos filhos merecem melhor futuro que nós, por isso todo esforço em prol desse futuro é bem vindo.
Força gente lutadora. É preciso romper as amarras do passado e ir pa frente. Salvemos as gerações futuras. Parabéns àqueles que exercitam o seu direito de pensar/sonhar alto e diferente.
Qualquer coincidência com a ficção, é a mais pura verdade.

Upindi Pacatolo

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