sexta-feira, abril 22, 2005

O NOSSO JURISTA

É de novo quinta-feira, são 20h30. Desta feita, encontro-me novamente no aeroporto da Portela, já não para tentar despachar mais uma parte da bagagem de um colega que se encontra na terra, mas sim para dar um grande abraço de bom regresso a uma compatriota. Ela terminou o curso de medicina dentária, com bastante brilho, por isso, vai com grande satisfação de dever cumprido.
Para nós que ficamos é sempre motivo de orgulho e de tristeza ver alguém que está de volta à casa. Orgulho porque é mais um filho (a) da terra que termina um curso superior e vai engrossar o leque dos quadros superiores do país, contribuindo assim para o seu desenvolvimento e crescimento, se bem aproveitados. É motivo de tristeza, porque ficamos privados da sua companhia física, do seu carinho, da sua amizade... de tudo que a sua presença representa, pelo menos até ao próximo reencontro.
Entretanto, não é de quem parte que nos apraz falar, mas sim do nosso "amigo jurista" que voltei a encontrar no aeroporto da Portela. Foi um reencontro difícil, confesso. Não queria acreditar naquilo que os meus olhos viam!!! Depois de uma longa hesitação, tomei coragem e aproximei-me do "nosso jurista", na expectativa que me fosse reconhecer, mas nada. Desanimado com o meu esforço não correspondido, aproximei-me mais do "jurista" e abordei-o como os outros: « boa noite! Será que me pode ajudar? Preciso muito enviar para Luanda uma impressora para um amigo». O "jurista" olhou-me bem nos olhos e, eu saisfeito de que ele me tivesse reconhecido, esbocei um sorriso amigo para quebrar o gelo, falicitar a negociação qui ça enviar de graça - e ai estaria feito porque eu não tinha impressora nenhuma - , mas o "nosso jurista" não me reconeheceu - que bom porque livrei-me de ser descoberto! -. Em resposta ao meu pedido, ele puxou-me à parte e perguntou: « quanto pagas?» Atónito, respondi-lhe: « nada, por isso estou a pedir-lhe um favor!». Ele pura e simplesmente não achou piada e dirigiu-se para outros que ali estavam com ar de quem paga bem.
Retirei-me com vontade de perguntar-lhe: então, ainda não voltou para o tribunal no exercício das suas funções? Tirou algumas férias por motivos válidos e está a aproveitar fazer um bocado de esquema, pondo em prática o direito comercial? Mas logo no aeroporto, não acha arriscado demais, já que os seus colegas podem passar por si nas suas vindas e idas? Será uma situação comum, daí não se importar com a escolha do lugar?
Seja verdade ou não, deu-me um aperto e pensei nos milhares funcionários da função pública, com salários altamente atrasados, mas sem alternativa à vista porque sem recursos que lhes permitam desenrascar-se em esquemas como o do "nosso jurista" ou semelhantes; pensei naqueles funcionários públicos cuja única alternativa - para cumprir o mandato do chefe : viver de esquemas ou fontes alternativas - é carregar ainda mais o fardo do pobre com as famosas gasosas na escola e na saúde; pensei naqueles que não podem recurrer a empréstimos sérios porque sem posses que cubram os riscos, restando-lhes o jogo da kixikila ( empréstimos semanais que têm origem no Roque entre os vendedores), que não raras vezes agrava a sua situação em si já periclitante...
Consegui pensar no nosso UÍGE abraços com a epidemia do Marburg, cujo fim parece tardar. Pensei nos funcionários da saúde do UÍGE cujo heroísmo é indescritível. Com salários de miséria, quando chegam, porque na maioria das vezes demoram uma eternidade, mas não cruzaram nem cruzam os braços e trabalham abnegadamente para tentar salvar as vidas possíveis de salvar!!!
Consolei-me, finalmente, com a certeza de que há ainda gente honesta e de bem que, não obstante os salários de miséria, o seu atraso e o conselho do chefe de viver de fontes alternativas ou seja de esquemas, luta por manter-se na sua profissão e honrá-la com dignidade. Está de parabéns o pessoal de saúde do UÍGE que vai fazendo pequenos milagres, não obstante todas adversidades.
Upindi Pacatolo

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