quinta-feira, novembro 17, 2005

«A UNITA NÃO SE ADAPTA A CIDADE»

O título é tirado de um artigo de opinião do jornalista e escritor angolano, José Eduardo Agualusa, publicado em finais de 1992,na revista portuguesa de "Política Internacional", a seguir ao massacre de Luanda e na eminência da guerra pós-eleitoral. O artigo propunha-se compreender a lógica do conflito angolano a partir da politização da etnicidade e, ao mesmo tempo, um esforço de paz do autor.
No essencial, sendo um artigo descritivo, Agualusa limita-se a expor aquilo que são as suas percepções sobre as causas da guerra, desde 1975. Subjaz ao seu argumento a teoria essencialista da etnicidade, que admite ser a etnia algo essencial, i.e.,co-natural e inalterável. Esta teoria impede-o de olhar para o lado dinâmico da etnicidade, captável pela teoria instrumentalista. Com uma terceira via, i.e., a junção das duas abordagens, conseguiria captar os lados estáticos e dinâmicos da etnicidade e, muito provavelmente, as suas conclusões seriam outras e muitos mais aplicáveis.
A par do lado mais teórico, o artigo peca por defeito ao não considerar as contradições das elites dos movimentos de libertação nacional como prolongamento daquelas da sociedade angolana colonial, com a sua esclerose de classificação: brancos, assimilados de facto e por escolaridade e os indígenas... Também não capta a intensidade diversificada do colonialismo de região para região.
Posto isso, é importante dizer o seguinte: as contradições entre as leites angolanas não eram, necessáriamente, inconciliáveis. Mas no contexto da luta armada era algo difícil de superar, por uma razão que nos parece óbvia: as elites luandenses, bem ou mal, estavam habituadas a conviver entre os três grupos com dificuldades razoáveis; as elites bakongo olhavam para aquelas como prolongamento do colono, que os espolheu das suas terras e o obrigou-os a um exílio forçado; as elites do planalto, consciencializadas da sua situação de opressão e exploração pela educação protestante,olhavam para as elites luandenses como prolongamento daqueles que levavam os seus para as roças do norte (=k'ondalatu).
A UNITA surge em 1966, numa altura em que FNLA e MPLA disputavam a primazia da representação da luta de libertação nacional angolana. Saídos da FNLA, os líderes da UNITA não terão ficado indiferentes ao resultado do 15 de Março de 1961, quando camponeses Ovimbundu foram barbaramente mortos pelas duas partes:UPA/FNLA e tropas coloniais. Estava assim instalada a dificuldade de coabitação com a FNLA.
A opção de entrada pelo leste, pensamos estar ligada a proximidade com o Congo-Belga, de onde vinham; com a independência da Zâmbia e boas relações com Kaunda; com a presença pouco intensa dos colonos nas terras do fim do mundo; e, sobretudo, disputar um espaço de luta aberto, já que a FNLA gozava de uma hegemonia na zona norte.
Vamos dar um salto para 1974-75, por razões de economia de tempo e espaço. Quanto a penetração na cidade, depois do 25 de Abril de 1974, é obvio que cada um dos movimentos contou com os trunfos que tinha na mão: a sua composição e o conhecimento dos lugares. Sendo os dirigentes do MPLA, esmagadoramente, provenientes de Luanda e conhecedores do meio, tinham supremacia de afirmação em relação aos outros. Os dirigentes da UNITA, esmagadoramente, provenientes das regiões do planalto central,fizeram o lógico:implantar-se nas cidades do Huambo, Benguela e Bié, já que tinham membros dessas zonas. Na disputa de Luanda, a UNITA estava em desvantagem por não conhecer o meio e, para ajudar a festa, foi apoiada pela África do Sul do Apartheid, regime abominado em África.( Talvez aqui o «pecado» seja a homegeneidade étnica). A FNLA tentou disputar a capital, mas tinha a desvantagem dos seus homens que, por razões óbvias, não dominavam ou não falavam mesmo o português e, para ajudar a festa foi apoiada pelos zairenses de Mobuto, regime detestado na região.
Num contexto em que quem tem a capital ganha a luta, o MPLA tinha tudo ao seu alcance para ser o «primo inter pares». Com a incapacidade de conviverem e partilharem os ganhos da luta, só restava o que conhecemos: afastar os outros da capital.Chega-se,assim, ao que interessa: a UNITA recua para o Huambo, donde é corrida, restando-lhe, mais uma vez a mata para sua sobrevivência, enquanto a FNLA regressa a procedência e desaparece.
Volto ao princípio dessa nossa conversa: há uma incapacidade congénita da UNITA em adaptar-se à cidade ou as circunstâncias da luta de libertação e depois de sobrevivência empurraram-na para a mata, donde conseguiu reerguer-se? A mata foi uma opção ou consequência do desenrolar dos acontecimentos? O presente da UNITA, i.e., os últimos três anos, mostram que ela é capaz de viver na cidade(=Luanda), basta que tenha tempo e oportunidade para se socializar. Aliás, Huambo e Benguela/Lobito são cidades, por sinal segunda, terceira e quarta de Angola.
Termino com o leitor que teve paciência de nos acompanhar e, certamente, dirá: qual é a tua agora? O que pretendes? Queres negar que os maninhos são uns gajos da mata ou inadaptáveis à cidade? Ou apenas perder tempo e dar largas à tua imaginação e mostrares um pouco da tua lata? A resposta é simples: trazer para debate ideias feitas ou «verdades auto-evidentes» que analisadas com algum rigor e desapaixonadamente, embora com dose de subjectividade própria das ciências sociais, podemos apurar e afinar as nossas percepções. Também estamos certos de que os leitores não estão esquecidos da finalidade deste espaço:debate!!! ndanda

Upindi Pacatolo

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