domingo, fevereiro 28, 2010

COSTANGUEIRO IV

Aconteceu comigo algures em Luanda. Por razões que não importam referir, fui dar uma volta à Luanda. Quando tal acontece fico sempre mal disposto. Me desculpem os amigos, amigas, parentes e conhecidos que tenho em Luanda. Mas vocês sabem a aversão que tenho pela vossa cidade! Um dia hei-de escrever algo a sério sobre Luanda, com o respeito e a admiração que merece.
Saído do Lobito, onde os costangueiros fazem contas à vida porque os pontos críticos da cidade e periferia, praticamente deixaram de existir. Praticamente porque há ainda zonas como o meu São João que quando chove, valha-nos Deus! Mas, no geral os pontos passíveis de criar lagoas em plena cidade ou periferia, servindo de ganha pão aos costangueiros deixaram de ser uma realidade com ou se chuva. Como consequência, os costangueiros precisam aprender outra profissão ou fazer um up-grade, como está na moda dizer.

Chegado a Luanda, numa das ruas, já que não consigo sozinho identifcar o nome dos bairros, nem a placa das ruas. Falando nisso, no Lobito habituamo-nos a identificar as ruas pelo nome dos senhores ou senhoras antigas do bairro/rua, por um empreendimento antigo ou novo... em Luanda deve ser a mesma coisa! Mas só os moradores conhecem o nome das suas ruas...

Precisa sair da tal rua para outra, mas a passagem tinha uma possa d'água enorme ou mesmo uma lagoa. Ou descalças e dobras as calças ou saias, ou regressar e dás uma grande a volta, ou então andas de costangueiro e ajudas o irmão a ganhar o seu pão.

O preço da travessia dos costangueiros varia de acordo com o peso da bagagem/pessoa! Mais ou menos como nos taxis/hiaces onde o preço sobre quando se é bebucho ou sem tem um corpo avantajado já que ocupa lugar de duas ou três pessoas ditas elegantes.

O costangueiro está sempre disponível a levar qualquer pessoa na travessia, com preço anunciado à partida e ajustável duranta a travessia. A negociação/imposição, porque uma vez a meio do trajecto quem dita as regras é ele, nem sempre é pacífica. O preço anunciado à partida é bastante aleatório porque, como diriam os economistas, há uma grande assimetria de informação: ambos sabem o peso e a capacidade real de cada um, mas não podem partilhar essas informações, porque reduziria o seu poder negocial inicial.

Nesse dia, com os meus oitenta e de kilos meti-me a subir às costas de um costangueiro que dava garantias de aguentar o meu peso. Kota, são 100kz! Tá fixe meu! Vamos então, né! Queria atravessar e pronto. A meio do caminho, bastante ofegante vociferou: kota, o preço subiu pa 300kz! Pagas ou desces aqui?! Entre pagar ou ser depositado na água, disparei: pago!

O costangueiro deu mais uns passos e, perto do fim, rematou: kota, paga só 500kz! Paga já agora ou desce! Puto, temos que chegar para poder tirar o cumbo no bolso, né! Kota paga já aqui ou desce! Puto, como vou tirar o dinheiro se tou nas tuas costas! Kota, tas a bilingar, né!? O kota é bebucho e bilingueiro! Vou-te dar uma lição pa respeitar o trabalho dos outros! O puto largou-me e tive de enfiar os sapatos e as calças na lagoa!

Bastante lixado com a situação, olhei po puto e apeteceu-me dar-lhe uma boa pancada, mas tive de me conter para minimizar os danos pessoais.

Ele, bastante animado olhou - me de cacheche e rematou: kota, não vais pagar parte do serviço? Vais tirar o pé tipo nada? Paga só metado do trajecto 200kz!

Fiquei ainda mais filipado com a situação e não sabia o que fazer: entre dar-lhe lições de contrato de prestação de serviço, de economia de mercado, de especulação, de exploração do homem pelo homem como fariam os juristas, economistas ou sociólogos... fiquei parvamente a maiar e a ve-lo a levar outro passageiro...

Já agora, quem é que explora quem nesse tipo de relação: costangueiro/homem e bagagem/homem?

Se no Lobito os costangueiros estão à beira do desemprego, em Luanda parecem estar em pleno emprego por esses dias...


Katwalisile!



1 comentário:

kanuthya disse...

Feliz por teu regresso, Pacatolo! Como outro alguém escreveu por estes dias, por vezes dá sensação de que guerra ainda não acabou em Luanda...
No entanto, no meio de todos nossos dissabores por lá, e não são poucos..., é verdade que se geram situações bem curiosas e ricas para um olhar social atento. Espero que continues com tuas crónicas!
kandandus daqui