Luanda, 11/09/06, residência da Embaixadora dos Estados Unidos da América em Angola, Cynthia Efird. Mais de vinte pessoas aguardavam sentadas pela cerimónia oficial de assinatura dos acordos de financiamento de pequenos projectos de 8 ONGs nacionais, orçados em USD 140 mil. Estavam todos, entre beneficiários, pessoal do protocolo e jornalistas, menos a anfitriã, que levava mais de meia hora de atraso. E quando não se sabe onde está a diplomata, difícil ainda é saber quanto tempo mais resta esperar.
O vazio ainda continuava a ocupar o lugar da representante de Jorge Bush em Angola, para a impaciência dos jornalistas encarregues de cobrir o acto. Já os beneficiários olhavam com algum nervosismo aos termos de referência sobre a mesa – que assinariam em breve aos olhos da imprensa e do “diplomaticamente recomendável”, sem que tivessem antes a oportunidade de analisá-los. As comidas e bebidas prontas a servir nos quatro cantos do quintal emprestavam ao ambiente um cenário de festa. Ainda assim, de repente, vêm-me à mente as palavras de uma amiga europeia. “Em casa da embaixadora americana, em 11 de Setembro?! Era o último lugar que eu queria estar!”. Na verdade, eu já não sabia se queria estar aí ou se era só mais um daqueles compromissos sociais inadiáveis.
Instantes antes da consumação da cerimónia, cada um dos representantes das Organizações financiadas recebe do protocolo, com surpresa, um envelope e a respectiva explicação em tom baixo: “gostaríamos que voltasse às dezanove para ter um contacto com o Assistente da Secretaria de Estado para a Cidadania, Direitos Humanos e Trabalho; está de visita em Angola e queria ter uma conversa breve com as ONGs”. Por volta das dezassete a embaixadora e o Assistente se despedem dos convidados num até já e “visitarei os vossos projectos!”, e desaparecem por uma das portas da misteriosa residência.
Se para alguns não fazia sentido regressar dentro de 2 horas, quando até não estava programado, resolvemos, o meu colega e eu, comparecer – mesmo que não seja em trajo formal, como recomendado. Usamos meia hora de atraso como consolo. Quem trabalha/vive nisso de desenvolvimento com a sociedade civil não tem “horas nem agendas” de reunir, o que se resolve muitas vezes com uma mochila e/ou com o hábito de estar preparado para tudo e a qualquer hora. Por falar em mochilas, amo-as há mais de vinte anos, minha fiel companhia, e ainda hoje não vejo nada mais prático a usar como carteira ou como “escritório móvel”!
Na portaria exibimos os convites do envelope e entramos. Era tudo, menos o anunciado. O quintal estava em festa, literalmente cheio e tão “barulhento” – com todo o mundo a falar – como as nossas praças (mercados informais). Única diferença: ali não se anunciavam preços ou produtos e o inglês substituía o Umbundu ao lado do português. Pela primeira vez na vida, éramos uma ilha rodeada de figuras públicas por todos os lados: políticos, sociedade civil, diplomatas, jornalistas, etc. De repente se tornou tão simples apertar a mão a qualquer pessoa à Embaixadora, ao presidente da Unita, etc., (como nos sonhos), entre nacionais e “expats”.
O assunto “Angola, catorze anos sem eleições” era tentação sempre presente nas conversas. Afinal Os políticos desfilavam fazendo cara bonita, tal como prostitutas caçando clientes. Pouco antes das 20:15, quando: “Desculpa, posso falar consigo um minuto?”, dirigiu-se a mim um senhor. “Acho que sim!”, respondi-lhe enquanto tentava descobrir o motivo. “Epa, estás a ver, aqui vem muita gente e a mochila…” Entendi muito antes do homem terminar o sermão e facilitei: “estás a propor que lhe entregue a minha mochila?” Enquanto se engasgava esse angolano, o mesmo senhor dos envelopes – esquecido de ter subjectivamente convidado para um encontro e não para uma festa, ainda por cima sem música – vem e reforça o que para mim já estava claro. Lá entreguei a mochila ao segurança, não vá eu ser acusado de transportar bombas para importunar a pobre embaixadora e os demais ali presentes, que disfarçavam o medo do terrorismo nas bonitas roupas e nos sorrisos mecânicos que a diplomacia ensina.
É verdade! As coisas chegaram a tal ponto que, ao que parece, já não dá para confiar em ninguém, até mesmo nos guardas da nossa residência. E se você for um dia conviver em ambiente americano e quiser evitar desconfortos, o melhor é não levar a sua amada mochila. Porque tem outro significado quando é 11 de Setembro. Conselho de amigo!
Por: Gociante Patissa, Lobito.
Sem comentários:
Enviar um comentário