sexta-feira, agosto 04, 2006

GESTOS DE ÁFRICA

Há um ano, tive a oportunidade de conhecer as terras de MANDELA. Não sou propriamente a melhor pessoa para falar da África do Sul. Além de ter permanecido por lá noventa dias, embora não como turista, é pouco tempo para perceber muitas dinâmicas. Acresce-se o facto de ser um grande admirador dos Sul-africanos e apaixonado pelo milagre da sua transição para a democracia. O exemplo de coragem e a capacidade de aceitação e superação deles bate fundo e forte no meu pequeno coração.
Mas hoje quero partilhar convosco a beleza e expressividade de um gesto. Passando pelas ruas de JB, Pretória, Petermarsberg(?) ou Durban há um gesto feito pelas mulheres que chama atenção aos observadores atentos. Uma mulher que se preza, quando sauda alguém que não conhece ou então com quem não tem muita intimidade não dá dois pares de beijos. Antes, estende-lhe a mão direita enquanto a mão esquerda segura, ligeiramente, o pulso da mão direita. Até aqui, nada de especial. A novidade, acessível à pessoas atentas, está no movimento que faz com a perna direita. Esta fica, simultaneamente, um pouco atrás e ligeiramente flectida. É um gesto muito rápido.
Intrigado com a situação e porque a curiosidade era muita, perguntei a uma amiga porque faziam aquilo. É sinal de respeito! A resposta foi, no mínimo surpreendente. Entei voltei à carga: mas vocês não fazem isso com toda gente? É verdade! Quando as pessoas já são da nossa intimidade nós vamos deixando de parte algumas regras de cortesia ou algumas formalidades sociais. É tão simples quanto isso. A questão não é fazer com uns e outros não, mas sim adaptar as regras sociais ao contexto. Fiquei estupefacto e sem palavras...
O " problema" voltou à baila quando fui ao Moxico, em meiados de Julho de 2006. No final de semana, fomos convidados a almoçar em casa do amigo do meu colega. Para meu espanto, a esposa do amigo repetiu o mesmo gesto e fiquei apreensivo. Para completar a confusão, quando fomos convidados a sentar à mesa, ela ofereceu-nos uma bacia com água morna para lavar as mãos e uma toalha. O dono de casa começou a comer com as mãos e nós seguimos o gesto. Foi, simplesmente, divino. Nunca vi coisa igual...
Para complicar o quadro, perguntei ao nosso amigo se a esposa era sul-africana. Ele respondeu-me que era do Bié! Na minha incredulidade, dirigi-me a ela em Umbundu e fui respondido à letra. Então, perguntei: donde é o amigo? Sou do Luena! Muita confusão em tão pouco tempo.
Uma vez no hotel, interroguei o meu colega sobre os gestos que tinha presenciado e contei-lhe a minha experiência da África do Sul. Ouviu-me, pacientemente, e disse: meu irmão a África está cheia de gestos e sinais comuns. Mudam os nomes, mas dizem a mesma coisa. O gesto da saudação também encontras na Zâmbia, Zimbabwe, Moçambique... Basta que a mulher seja educada num meio conservador e, uma vez adulta, tenha coragem de apresentar a sua educação.
E aquela de lavar as mãos com água morna e comer com as mãos, enquanto os talhares permanecem arrumados? É uma experiência que trouxemos da Zâmbia. Lá, as pessoas que se prezam, usem gravata ou não, mantêm esse gesto. Os talheres ficam arrumados à mesa, mas quase ninguém os usa.
Gostei da experiência e, sobretudo, da transnacionalidade dos gestos.
Até breve!!!
Upindi Pacatolo

5 comentários:

ELCAlmeida disse...

Meu caro Pacatolo, África uma vez, África toda a vida. Para alguma coisa é o continente-mater, ou seja, onde a vida começou - ok, não biblicamente falando, ou terá também sido aqui que apareceu o Edén?
Um grande kandando e felicidades pelo nosso país.
Eugénio Almeida

PX disse...

Descobri este blog por acaso, sempre me interessei por coisas de África, não sei bem porquê, pois nada me liga a essa terra, no entanto adoro a vossa maneira de ser e viver. Espero um dia poder conhecer esse esxtraordinário país.
Parabéns grande blog

kanuthya disse...

Fiquei bem feliz quando por aqui passei e vi que voltou a escrever!

Terra disse...

Olá Pacatolo.
Só para te dizer que esse gesto não é exclusivo das mulheres. Desde que a condição hierárquica de alguém seja inferior, este deve cumprimentar com a devida deferência.
Só por curiosidade, sabias que em Ucokwe (língua cokwe) nem sequer existe a palavra beijo?
Um abraço

Anónimo disse...

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