quinta-feira, abril 20, 2006

«HÁ QUATRO ANOS!!!E QUATRO ANOS DEPOIS???»

Há quatro anos…
Morreu Savimbi em combate, no Leste de Angola. Foi exibida pela Televisão Pública de Angola(TPA) a imagem do corpo de Jonas Savimbi cravado de balas, moscas e profanado. Para quem tinha dúvidas ou alguma esperança no regresso do líder ou numa reviravolta, tudo ficava claro. Era chegado o fim de uma odisseia começada em 1966 no leste de Angola.
Há quatro anos…
Nasceu um duplo desafio para o General Paulo Lukamba “Gato”: 1º parar as hostilidades e devolver a paz aos angolanos; 2º salvar a UNITA de um fim inglório e transformá-la num partido político capaz de abraçar a disputa político, sem recorrer a meios militares.
Há quatro anos…
O General “Gato” mostrou-se à altura do acontecimento e das circunstancias. Por um lado, suspendeu as hostilidades e entabulou negociações com as FAA, assinando-se um cessar fogo, que teria na assinatura do memorando de entendimento, em Luanda na casa mãe das leis, o seu ponto alto. Por outro lado, o General “Gato” começou a percorrer o longo e difícil caminho da unificação e transformação da UNITA. É um caminho que teve o seu ponto alto no congresso que elegeu o Sr. Samakuva como presidente da UNITA. A unidade da UNITA permanece difícil, com altos e baixos…
Quatro anos depois…
A paz é uma realidade inquestionável. O mérito do presidente da república, o engenheiro José Eduardo dos Santos, na conquista da paz militar é incontornável. Os frutos da paz são visíveis na livre circulação de pessoas e bens, na reabilitação das infra-estruturas, na estabilização macro-económica, na corrida de investidores estrangeiros…
Quatro anos depois…
A defesa e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos angolanos é feita de modo tímido ou insipiente. A igualdade perante a lei é uma miragem, para a maioria dos angolanos. A juventude rural e das periferias das grandes cidades continua condenada a um desemprego crónico, quando não está sub-empregada. Os salários da função pública permanecem aquém do custo de vida…
Quatro anos depois…
Continuamos a espera da normalização das instituições políticas do país. As eleições continuam no segredo dos deuses. A oposição e o partido no poder continuam com agendas desencontradas. As grandes questões nacionais ainda são monopólio e privilégio dos “iluminados” dos partidos, “grandes intérpretes” do pensar e sentir nacional. O investimento na educação e na saúde, que mais não são senão o investimento no Homem Angolano e no futuro do país, são uma miragem.
Quatro anos depois…
A UNITA ainda vive os seus dramas e o sonho de ser o maior partido da oposição. A FNLA continua abraços com a sua crise interna de liderança. Os outros todos não inspiram segurança enquanto alternativa ao governo do MPLA… Por esse andar, quando as eleições forem anunciadas, não é muito difícil prever que sirvam para confirmar o óbvio…
Quatro anos depois…
Consola-me saber que pesa sobre a nossa geração, gravemente privada de oportunidades, o desafio de trabalhar e lutar por uma democracia pluralista em Angola e não apenas eleitoral. Esse desafio já começou e temos de procurar pelas oportunidades já que elas tardam em aparecer ou manifestar-se de forma clara e transparente. Eu acredito na nossa geração…
Upindi Pacatolo

sexta-feira, abril 07, 2006

O "KAIRÓS*" DA UNITA

De regresso à terra, tive a oportunidade de voltar às nossas conversas com a avó Cambundu, aquem o peso da idade vai vergando. Desta feita, obriguei-a ir bem fundo da sua memória e resgatar de lá alguns dados e referências históricas que me ajudassem a compreender um fenómeno que me tem intrigado de algum tempo a esta parte: A "UMBUNDIZAÇÃO" DA UNITA.

A avó Cambundu olhou bem fundo para os meus olhos e pediu-me que a levasse ao quintal para sentar-se à sombra da mulembeira. No seu estilo maternal, convidou-me a sentar-se bem perto das suas cansadas pernas e, afagando a minha carapinha, como o fazia na minha infância vezes sem conta, constatou com surpresa que seu netinho estava a tornar-se num homem calvo!

Depois de muita hesitação, avó Cambundu começou a narrar a sua pesada e dura história. «Em 1961, quando começou a luta de libertação nacional estava a trabalhar nas roças no "nano"(1). Tinha ido lá atrás do teu avô que já lá estava faz três anos. Com os ataques dos nossos irmãos do catanga(2) e com a resposta dos brancos, nós tivemos de fugir e conseguimos chegar mais tarde na nossa aldeia de Etunda Mbulu. Meu filho quando chegamos na nossa aldeia a alegria voltou nos nossos rostos e a força para recomeçar a vida era maior, porque «v'ondjo v'ondjo, nangõ katulila mo omumã!»(3).

Meu filho, nesse ano, alguns familiares fugiram para muito longe e não conseguiram chegar na nossa aldeia. Mais tarde, quando as coisas ficaram calmas, eles voltaram lá nas roças do "nano" para ganhar a vida. Eles eram muito jovens e tinham medo de voltar a aldeia e serem apanhados pelos cipaios e levaram um castigo pesadíssimo ou serem levados de volta e perderem o pouco a que podiam ter direito.

Em 1974, quando as tropas da FNLA entraram nas zonas das roças começaram a correr e expulsar todos os trabalhadores das nossas terras. Alguns foram mesmo mortos. O povo teve medo que se voltasse a repetir o 1961, então quase todos saírem de lá e voltaram nas nossas aldeias. Perderam tudo, mas mesmo tudo o que tinham e nunca mais perdoaram os da FNLA.

Quando chegaram aqui nas nossas aldeias, começaram a ouvir falar da UNITA. Esses vinham dos Luchazes(4) e falavam a língua dos luchazes e a nossa, mas eram muito diferentes da FNLA porque não ameaçam e andavam sempre a falar boas coisas. Havia muitos deles que eram camponêses ou filhos do povo e nós conhecíamos muito bem. Eles aconselharam-nos a não desistir e continuar a lutar e a trabalhar a terra. Foi assim que o povo que estava cansado e triste, rapidamente, simpatizou com a UNITA.

Quando a UNITA foi corrida das cidades em 1975/76, muitos acompanharam a UNITA porque acreditavam que a guerra que vinha de cima é muito perigosa e os do "nano" matam tudo. Por isso, o melhor é fugir. Mas o pior ainda tava para acontecer, meu filho». O sol já se punha e a avó começou a sentir frio e pediu-me que a levasse para dentro. Frustrado, fiz-lhe a vontade e deixa-a deitada na sua cama. Finalmente, quando me dirigia para porta de saída, a avó chamou-me e perguntou se eu queria ouvir mais um bocadinho antes dela dormir. Eu disse-lhe que sim

Então avó Cambundu retomou a conversa, mas sem a sequência que estava a espera. « No ano da fome(5), houve kwata-kwata(6) nas nossas aldeias para ir de novo nas roças. Mas desta vez o povo fugiu para as matas e foi entregar-se na UNITA. Foi muita gente, mas muita muita gente mesmo. Cátê aqueles que foram apanhados muitos conseguiram fugir de lá e foram nas matas. Desta vez eles estavam dispostos a lutar e defender a suas aldeias e os seus velhos e crianças. E a guerra teve que durar muito tempo, porque era muito abuso. O teu avô, nesse tempo, dizia aos teus tios «kapeli-ko: ove watopa onambi ya nhõhõ vaenda layo»(7).

Nesse entretanto, avó Cambundu adormeceu e deixou-me com água na boca. Mas, prometo voltar mais cedo e aproveitar gravar algumas histórias da minha querida avó e tentar parlhar algumas delas convosco. Fica a ideia que há momentos históricos fortes marcados com erros da FNLA e do Governo do MPLA que ajudaram a UMBUNDIZAR a UNITA. Esses elementos não tiram mérito à capacidade de mobilização dos dirigentes desse partido.

Notas: * Kairós=tempo de graça; (1) Nano: equivale a norte; (2) Catanga: equivale a provenientes do Zaire;
(3) V'ondjo v'ondjo nangõ katulila mo omumã(literalmente= mais vale ter uma casa, ainda que não se coma nela o fígado). Em casa estamos sempre bem, mesmo quando não temos posses para comer do bom e do melhor.
(4)Luchazes: equivale a leste;(5) ano da fome: equivale a 1977/78; (6)kwata kwata: é a guerra do "apanha apanha" para levar os campoêses do sul para as roças do norte;
(7) Kapeli-ko: ove watopa, onambi ya nhõhõ vaenda layo(literalmente=Cuidado: se fores burro, tiram-te o direito de chorares e sepultares a tua mãe). Se não te acautelares, tiram-te a liberdade conquistada e não serás capaz de cuidar da tua mãe, dos teus e da tua terra; outros contarão a tua história, por isso, resiste!!!

Upindi Pacatolo