quinta-feira, março 18, 2010

IR A ANGOLA? SÓ COM PRESIDENTE ELEITO DEMOCRATICAMENTE!

«Ir a Angola? Só quando o Presidente da República for eleito democraticamente!» Pois é! Tal e qual. Foi - me dito numa aula por um professor. Como se não bastasse, tenho um colega que é do Bloco de Esquerda (BE) e não Bloco Democrático (BD)! Na primeira oportunidade, lancei a pergunte atravessada na garganta: porque os deputados do BE não receberam o Presidente José Eduardo dos Santos a quando da sua visita à Portugal? «Porque só nos relacionamos com democratas!» Toma e embrulha, como diriam os meus amigos e colegas dos tempos da UCP - Lisboa.

Não satisfeito com as duas tiradas, esperei pelo intervalo para pôr à prova os meus dois interlocutores. Para isso, servi-me dos meus pergaminhos da licenciatura em Ciência Política e não Ciências Políticas. Engraçado né? É que na UCP o curso não tem plural como não têm outros cursos da faculdade de Ciências Humanas. Mas essa do plural dos cursos fica para outro dia. Hoje mesmo interessa a conversa com os meus dois interlocutores.

Lembrei-me que os meus interlocutores não eram os únicos a avaliar a qualidade do processo democrático angolano - digo processo democrático e não democracia - pela ausência ou pela não realização das eleições presidenciais. Os adeptos dessa tesa abundam em Angola. Como diriamos no Lobito, os defensores dessa tese andam por ai em saldo.

Mal o professor e o meu colega apareceram, pedi-lhes 5 minutos do seu tempo. E lancei a pergunta clássica: voces olham a democracia como um processo ou como um estado adquirido? «Um processo, respoderam eles». Então, concordam comigo que enquanto processo ela tem avanços e recuos; depende do contexto concreto em que se processa e do papel que os actores políticos concretos jogam nele? «Sim!» Por que razão insistem em avaliar o processo democrático angolano pela ausência de eleições presidenciais?

O meu professor percebeu a falacia da sua afirmação e corrigiu o tiro: « o processo democrático angolano ainda não chegou a patamares que me satisfazem. Prefiro ir a Moçambique que já deu passos bem mais satisfatórios. Até lá, continuarei a olhar de longe a realidade angolana!»

Nada a dizer. Posto dessa forma, temos que respeitar as preferências dos outros. Democracia é também defender a opinião dos outros, mesmo quando não concordamos com elas, como diria o autor do "Emílio" ou do "Contrato Social".

Quem está habituado a olhar para a democracia como um processo, compreende os avanços e os recuos inerentes ao processo, mesmo não aceitando. Compreende também o papel que os vários actores jogam no processo, mesmo não aceitando. (Para os amigos de fora e de dentro do país que ainda defendem a tese das eleições presidenciais ou do recuo da democracia com a aprovação da Constituição, devo lembrar algumas dicas):

Os processos de transição para a democracia são passíveis de sofrer imensas influências. No nosso caso, é preciso não esquecer que o Governo do MPLA ganhou a guerra em 2002; o partido MPLA ganhou as eleições legislativas em 2008; e que vitória, né?! Tendo esses ganhos a seu favor, combinados com a responsabilidade histórica de gerir o processo de transição democrática do país, só mesmo distraidamente entregaria o ouro ao bandido. É claro que precisa tirar todos ganhos políticos daí decorrentes mais não seja pelo facto da realização de eleições transformar-se numa regularidade.

Com tudo isso a seu favor, é óbvio que tinha de capitalizar. Não o fazendo estaria a cometer um grande erro político. Desses erros de principiantes. Como a história é feita e escrita por homens mortais e a política é a arte do possível, a sua gestão está intimamente ligada aos interesses dos actores principais.

Por isso, quem tem os pés no chão e não perdeu o habito de ler e aprender com as experiências dos outros povos há-de achar essas linhas óbvias demais... Basta recordar que África e America Latina são pródigas em exemplos de eleições presidenciais e parlamentares sucessivas que não dão garantia de excelência da senda de democratização.

Nosso ponto fundamental é: os processos democráticos envolvem muito mais do que realização de eleições. Embora a sua realização seja condição sine qua non, ela não é suficiente para avaliar a nobreza do processo. Se fosse, os países africanos e latino -americanos que as realizam com regularidade seriam democracias bem cotadas nos ratings da freedom house.

Para os que olham a Democracia como um Estado, esta conversa é mera banalidade.

Katwalisile!

sábado, março 06, 2010

SUPREMACIA ETNICA!!!

Ainda bem que há gente que pensa com muita cientificidade e banaliza as banalidades!!! Assim se faz a diferença. Os esclarecimentos que Fernando Pacheco prestou sobre a "Supremacia dos Kimbundu" no executivo angolano, materia publicada pelo Semanário angolense, são dignos de umas aulas nas melhores universidades do ocidente. Haja massa cinzenta!!!

Fernando Pacheco fez-me lembrar os tempos da fau. Estava prestes a terminar o curso e precisava arranjar um tema e elaborar o pré-projecto da minha tese. Armado que conhecia Angola, a diversidade do seu povo... e que tinha aprendido muito bem a lição sobre tribo, etnia, grupo étnico, zonas de predominância etnico-tribal... apresentei o meu tema.

Pouco depois, em aula aberta, apresentei o meu pré-projecto. Com a ajuda das tecnologias projetei o mapa de Angola com as imaginários regiões ocupadas pelos supostos grupos étnicos ou tribos.

Terminados os meus 15 minutos, a orientadora simpatica perguntou: quais são os critérios de identificação étnica em Angola? São eles obejctivos ou subjectivos? Dependem dos sujeitos concretos ou é uma construção esteriotipada? Não existem casamentos livres em Angola? A mobilidade das pessoas é proibida? As perguntas foram-se multiplicando e com elas as minhas inseguranças e incertezas. Mas o exercício serviu para aprender algumas coisas que vislumbrei na reflexão de Fernando Pacheco e subscrevo plenamente.

Devo confessar que quando li a matéria sobre "56% do Poder Executivo é Kimbundu" na edição 356 do Semanário Angolense, fiquei muito triste por duas razões:
1ª a leviandade com que o assunto é tratado;
2ª pouco ou nenhum cuidado sobre a operacionalização dos conceitos chaves

Entrtanto, na edição 357, a reflexão de Fernando Pacheco devolveu-me a tranquilidade de espírito que precisava. Nas lidas académicas é mais recomendável falar-se em grupos etno-linguísticos e não mais em tribos ou etnias, termos usados e abusados por uma antropologia, etnologia e etnolinguística de matiz colonialista/racista.

Assim, será mais defensável academicamente o seguinte axioma: os grupos ou comunidades etno - linguísticos estavam tendencialmente distribuidos nas seguintes regiões de Angola (faz-se fé num passado remoto em que era assim, pressuposto normativo). Usa-se o verbo estar no passado porque aceita-se o desconhecimento documentado do movimento migratório dos angolanos em Angola; dos casamentos efectuados entre as várias pessoas de grupos diferentes; e, sobretudo, do actual povoamento de Angola.

Por exemplo, quem vive em Benguela sabe que existem bairros com uma predominância de pessoas que falam português, umbundu, kikongo e crioulo de cabo verde. Será justo afirmar, gratuitamente, que a população de Benguela fala umbundu ou Benguela é uma região umbundu? Ou predominantemente umbundu? Qual é a sustentabilidade empirica de uma afirmação como essa? Esse fenómeno é visível em outras cidades de Angola.

A pertença a um grupo ou comunidade etno-linguísta está intimamente ligada a um sentimento interior. Assim, a identificação de alguém com este ou aquele grupo passa sempre pela partilha de alguns traços característicos desse grupo ou comunidade. Ao limite, estamos a defender que cabe aos individuos concretos identificarem-se ou não com os grupos ou comunidades etno-linguísticas. Caberá aos cientistas sociais a elaboração de um estudo de opinião ou de outra índole para ajudar a avaliar a forma como cada um de nós define a sua identidade nacional ou regional ou etno-linguística ou religiosa...

Há massa cinzenta para avançar. Dinheiro não deverá ser o problema. Basta haver interesse em financiar aqueles que querem trabalhar. Haja mecenas para os grandes e pequenos projectos de investigação social a aguardar por dinheiro nos computadores pessoais de jovens académicos.

Parabéns Semanário Angolense pela iniciativa de lançar a discussão. Parabéns Fernando Pacheco pelos brilhantes esclarecimentos!!!

Katwalisile!

quinta-feira, março 04, 2010

COISAS DA TERRA!!!

Há uns anos, tive a oportunidade de conhecer as terras de MABIDA. O primo que me foi apanhar ao aeroporto de Jobgh me ofereceu uma visita guiada pelas principais ruas dessa cidade. A caminho de Pretória, estacionou o carro em frente ao edificio do Union Building! A seguir convidou-me a sair do carro e com um sorriso no lábio disse-me: este é o edificio da cidade alta da África do Sul! Podes subir por estas escadas e ir até ali, ou então dares uma volta por esse jardim!

Fiquei tão aparvalhado com a situação que, cheguei a pensar que o primo estava a zoar com a minha cara! Mas era verdade. Estavamos em pleno jardim oficial do Mr. Mbeki! Sem guardas a afastar educada ou rudemente os visitantes, nem com olhares ameaçadores. Simplesmente, eu não queria acreditar no que estava a acontecer. 

Mas que culpa tinha eu, nascido e crescido na caimama. Na província, onde o pessoal é bazeza, como se diz na capital! (Um dia vou escrever sobre esses abusos dos da capital!) Lembrei-me de ter passado apressadamente na nossa capital e de me terem indicado de kaxexe a nossa cidade alta. Porque se o fizessem de perto ou estacionar o carro bem perto, seria maka grande. Também lembrei-me do meu kamba da tuga que convidei para assistir ao meu casório. Na capital, hospedou-se bem junto a cidade alta. Armado em turista, sacou da maquina fotográfica e experimentou tirar umas fotos. Azar! "Meu, não faz isso. Podes ficar sem a cara e sem chance de saber de onde veio o tiro!" Conselho de gente avisada e habituada aos nossos modos.

Por isso, em terras de Madiba tive dificuldade de digerir a informação e a surpresa que o primo me aprontou. Dá para entender?! Claro que dá. Os habitos não mudam assim do dia para noite. Precisamos de tempo para nos habituar a novas realidades. 

É tão verdade que outro dia, nos tempos da faculdade, chamei o elevador, já que no nosso kimbo não havia. A porta abriu e, para surpresa minha, lá estava o Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva, o actual presidente da República Portuguesa. Atrapalhado com o encontro inesperado, pedi desculpa e deixei o elevador e o Professor seguirem seu caminho, apesar da simplicidade e insistência do Professor para eu entrar!!!

Dá para compreender a trapalice! Claro que sim. Na nossa terra, os ilustres fazem-se anunciar e querem distancia dos comuns dos mortais. Isso mesmo. Por mais que queiram ser simples, acabam sendo consumidos pelo modus operandi. Tal qual aconteceu com um ilustre da terra que tive oportunidade de conhecer em Lisboa. Para saudá-lo na banda tive de marcar audiência e esperar uma semana!!! Pode?! Claro que sim. Na banda, todos somos ilustres, excelências...

A desabituação é tanta que, a caminho da fau fui ultrapassado pelo ministro português da economia. Acabara de sair do metro e ia, bastante apressado, ao Parlamento da República. O trajecto a pé leva 15 minutos. Mas ele ia sozinho. Para ter certeza do que os meus olhos viam, olhei a volta para certificar-me que o homem ia mesmo sozinho. E era verdade. Simplesmente sozinho, a pé, num percurso de 15 minutos... Como os outros são simples, né!?

A simplecidade só contraste com a forma desprezível e indiferente com que alguns políticos se tratam. Transformam  a diferença política, o combate político em combate pessoal ou desprezo pessoal. Só assim é possível compreender a indiferença do deputado comunista que cruzou com o ministro da economia socialista. Cheguei a pensar que nenhum deles terá visto o outro. Mentira, porque o passeio era tão estreito que não dava para passarem os dois ao mesmo tempo. Um deles teve de parar para dar prioridade ao outro.

Um aperto de mão é pedir muito?! São os habitos da terra. Saudamo-nos com um aperto de mão ou gestos bem visíveis ou sons bocais perceptíveis. A banda também tem coisas boas para ensinar aqui na tuga!!!

Katwalisile! 

quarta-feira, março 03, 2010

O NOME DAS RUAS!!!

Cidade do Lobito

Periferia do Lobito: Caimama - São João e arredores!

Estava a caminho do serviço, quando o meu phone tocou. Olhei, era uma chamada da tuga! Um grande amigo e filho do Lobito, "atracado" em Lisboa no rescaldo da revolução dos anos 70 do século passado. "Tenho uma grande novidade!" Manda vir, meu kota. "Na próxima semana estarei em Angola. Finalmente, poderei visitar o meu Lobito, 35 anos depois!" Bravo, meu kota. Te aguardo com muita ansiedade.

Como prometido, o meu amigo apareceu e ficou 48 horas na cidade do Lobito. Deu para ver alguma coisa, visitar lugares antigos e rever uns amigos que o tempo não levou, nem confundiu com novos maneirismos...

De volta à tuga, o meu amigo lembrou-se que havia no Lobito um museu, mas que não chegou a ver. Então, voltou a telefar-me. "Ainda existe no Lobito o museu de etnografia?" Ainda! Respondi. Mas agora é museu regional de etnografia e parcialmente encerrado para obras que começam brevemente, como na TPA! "O quê? Não percebi?" Esqueci-me que o meu interlocutor, mesmo com a TPA Internacional não entendia que os anuncios "brevemente na TPA" exigem paciência. Tanto pode acontecer, como não. Simplesmente, não se sabe quando. "Entendi. Quer dizer que o museu entrará em obras a qualquer altura, mas quando ninguém sabe!". Isso mesmo, kota. "Mas em que rua fica o museu?" Na rua do triangulo! "O quê?" Ya kota, quando vais a ponta da restinga, depois do colégio Sagrado Coração de Jesus e antes do hotel restinga há um triangulo que tem jardim. Ao lado desse triangulo, na esquina fica o museu! "A rua não tem nome?" ...

Depois de um silêncio, lembrei-me que na tuga as ruas e avenidas têm nome. Quase toda gente sabe o nome das ruas. Mesmo quando não sabem, figem que sabem para ajudar o caminhante aflito. Lembrei-me também de participar em algumas reuniões de trabalho onde se falava das avenidas que entrariam em obras de requalificação e melhoria. Nessas reuniões chamavam as avenidas pelos nomes dos colos: Paulo Dias de Novais, Diogo Cão... E eu perguntava: onde ficam essas avenidas? os meus vizinhos, pacientes com a ignorância do jovem, respondiam:  estrada dos bombeiros; da operativa até ao chapanguele; da operativa até ao bairro da luz; da entrada ou saída do 28;  que pessa pela administração municipal....

Como podem ver pelas duas imagens, para um jovem nascido e criado no bairro da caimama, sem arruamentos, como pode saber o nome das ruas? Na imagem da periferia, perto da Igreja, fica a casa dos meus pais. Assim aprendi a dar referências.

Geralmente, servimo-nos de um espaço público ou privado de destaque: Igreja, Escola, Centro Médico, Comissão do Bairro, Casa do Soba, Catequese/Capela, Loja, Padaria, um Senhor ou Senhora de referência... Tudo aquilo que se destaca no bairro serve para dar direcção. E como as pessoas se conhecem acabam sempre por indicar a casa aos que perguntam! Giro né? Muito prático!

A imagem da periferia representa o meu Lobito, o meu são joão, a minha caimama, a minha escola primária, a minha igreja, o meu centro de saúde... Os do meu bairro e adjacente conseguem identificar as suas casas!!!

Mas para estabelecer diálogo com o meu interlocutor, tive de ligar para um kota que nasceu antes da dipanda. Infelizmente, também não sabia o nome da rua. Então, meti-me no carro e fui até ao museu. Mesmo assim nada, porque a placa com o nome da rua já era!!! Como resolver o problema?!

Espero que essa peça ajude o meu amigo a compreender a minha dificuldade...

Por outro lado, concordo que é  preciso dar nome as ruas e colacar as placas de identificação em lugares visíveis para facilitar a localização dos espaços públicos ou privados.

Quanto ao meu bairro, espero por dias melhores... Até lá, vamos continuar a chamar caimama 1, caimama 2, caimama 3, damba do tchindjendje... Caimama porque, nos tempos que o tempo levou, se apanhava muito mamau por ai... e tchindjendje porque habitada maioritariamente por pessoas vindas desse município do Huambo... Fácil, né!

Tudo tem uma história e uma vivência própria...

Nós nos safamos muito bem! E os outros?!!!!

Katwalisile