sexta-feira, agosto 25, 2006

ANGOLA EM (IN)MOVIMENTO

Quem tem a sorte ou oportunidade de regressar ou passar por Angola, vindo do strange, uma das coisas de que seguramente tem saudades é ver a nossa TPA. Esta, no tempo da outra senhor, significava Televisão Popular de Angola. Com a abertura do país à democratização passou a significar Televisão Pública de Angola. Numa altura em que o lema era o "P" cai, com muito sacrifício, conseguiu manter o "P" de "Popular", embora significando "Público". Na verdade, não é fácil despir-se de "hábitos populares" simplesmente porque a moda é democratizar-se.

Hoje, com a proliferação das parabólicas ou DSTV, como são conhecidas aqui, "o tempo da TPA já era", como dizem os Kalibrados. Por isso, já é hábito traduzir-se TPA por "Tenha Paciência Amigo". Nessa situação, a saudade transforma-se num ápice em desilusão. Mas antes que tal aconteça, dentre outros, há um programa que chama atenção ao recém - chegado "Angola em Movimento".

"Angola em Movimento" é um programa cujo figurino lembra o saudoso "Nação Coragem". A diferença é que tenta vender um cartão postal de uma Angola em Movimento; com grandes obras públicas (fruto do empréstimo chinês, da alta do preço do petróleo e do fim do conflito armado), sobretudo no sector das vias de comunicação, escolas e hospitais ou centros de saúde... Em fim, o programa está concebido para mostrar aquilo que todos esperam ansiosamente: estradas em reabilitação ou construção, escolas e hospitais a serem contruídos e inaugurados... As imagens são tão convincentes que quem por cá passa, vindo do strange, ganha vontade de empreender uma viagem por terra para ver como o país (i)move-se.
Não querindo fugir à regra, decidimos fazer uma viagem por terra, de Luanda ao Lobito. Segundo anunciaram, essa é a via que estará totalmente reabilitada até Dezembro de 2007. Então mais um motivo para ver como (não)vão as obras de reabilitação dessa via. Mas para minha (des)consoloção nem obra, nem máquinas, nem chineses vi durante as 8 horas de viagem. Como era domingo, tentei acreditar que os trabalhadores tinham repouso ao fim de semana.
Mas então as máquinas? Os sinais de algum trabalho? E os chineses que trabalhavam até durante a noite? Para não ser acusado de nada, decidi calar-me e repetir a proeza, no meu regresso e num dia de semana.
Então, meti-me à caminho do Lobito a Luanda, numa segunda - feira. Entretanto o filme repetiu-se e chinês apenas vi 5, na cidade do Sumbe. Seguramente estariam em repouso, enquanto outros (des)trabalhavam. Mentira. Nem um, nem dois... Mas as obras (não)avançam e até Dezembro de 2007 teremos a estrada toda reabilitada... É a Angola em (in)Movimento.
Quem tiver a ilusão de andar por terra para ver como vão as obras de reconstrução das estradas, por favor, desengane-se e prepare-se para ver Angola em (in)Movimento. Mais do que isso, prepare bem o coração e a paciência porque os buracos continuam a conviver com restos de alcatrão lá onde ainda existe... noutros lugares só mesmo poeira e buracos.
Imagino quando a chuva chegar!!! Nem quero pensar nas outras vias com menos publicidade e campanha!!! Talvez o anúncio da data do registo eleitoral pode acelerar os trabalhos que já começaram!!!!!
Até breve!!!!
Upindi Pacatolo

terça-feira, agosto 15, 2006

POR QUANTAS VEZES MAIS...???

Uma voz, a habitual para ser sincero, lançava ao vento palavras de consolo, equilibrando-se entre o repouso agora e um espaço melhor num futuro distantíssimo, enigmático.
“Não sei quantas vezes mais terei ainda de voltar aqui, mas a chatice de cá estar é sempre a mesma”, desabafei com um amigo. Já fora, no fim de tudo, uma senhora em trajo preto desabafava impotente com uma suposta amiga (ambas para mim eram desconhecidas, sendo a viatura e a viagem a única coisa em comum entre nós): “uma gaja nunca vem aqui para relaxar… é sempre com problemas. Possas!”
Voltará a sorrir tão cedo a pobre mulher? Talvez (espero que sim!), mas o rosto transparecia abalo, com um suspiro sentido, enquanto tentava sentar-se no pára-choques traseiro empoeirado da viatura, que não sabia a quem pertencia nem o sujeito que a conduziria. Nestes momentos, qualquer carro dá, não há lugar para formalidades. No fundo todo o mundo vai ao mesmo sítio e volta já, já, à base – excepto, claro, a pessoa do dia.
E os primeiros instantes no destino então são os mais ingratos, sobretudo quando no quintal – cujo branco não é sinónimo de uma paz sincera, racional, mas apenas de conformismo, face a uma derrota sem recurso impeditivo – a leitura daquele texto de costume caminha para as últimas linhas.

Como sempre, já sei o que vem a seguir. Mas me retiro, e é agora, para não olhar de frente, pelo menos desta vez, o passo mais concreto de toda a cerimónia (aquele momento que põe de parte toda a natureza de aparências que normalmente norteiam o socialmente recomendável em termos de apresentação individual e de discursos em relação ao personagem único; o momento pragmático do “terra p’ra terra”). Dou dois passos à retaguarda devagarinho para não dar nas vistas (péssimo momento para um eventual show-off!). Uma obra de arte castanha, que atende pelo nome de caixa, capitaliza as atenções, disputando nalguns casos com os rostos húmidos daqueles directamente mais atingidos (oh, e há sempre!).
O filme é repetido e o impacto também. Enquanto deixo o círculo em busca de forças, sinto as pernas trémulas, a cabeça doendo… Estão muito frescas as imagens de uma conversa de “amizade em trabalho” que travamos na única pensão do Cubal, há um mês. Tudo agora passa para a classe de um passado sem interacção, juntamente com os seis anos da relação de colegas de “profissão”. É mais uma repetição da triste constante: a vida um dia nos junta e, logo, logo, nos separa…!
O homem da bata branca, de livro de capa azul na mão, com os olhos por detrás dos óculos, continuava a apregoar o Senhor e o descanso eterno, enquanto amigos e familiares se rendiam em segurar as poucas pás disponíveis. E cada pausa do seu discurso corajoso era preenchida por um barulho agudo, num compasso que se tornou perfeito face à peculiar frequência ao longo dos anos. O buraco tinha de ser tapado, o homem ficaria mesmo!
A poucos passos, um atraente vaso na cabeceira de uma campa de humilde aparência salta à vista. É natural ou artificial? Agacho-me, arranco uma folhinha e o verde húmido entre o meu polegar e indicador, ao esmagá-la, diz tudo. De um verde nutrido e uma flor amarela sorridente, foi trazida para cá no meio de lágrimas e choros de uma família que depositava para sempre mais um ente querido, como essa, hoje, agora. Não há dúvidas. Ela, a flor, sem me dizer há quanto tempo não recebia irrigação, só mostrou que tem conseguido sobreviver, ao lado de um vasto universo de flores artificiais em vasos com água.
Por mais voltas que dermos vamos lá sempre ter… no cemitério. Como é chato, principalmente quando cada visita representa sempre a partida de alguém conhecido e/ou chegado, para nunca mais se voltar a ter novidades?! Como doem as habituais irrespondíveis perguntas lançadas aos choros por órfãos, viúvos/as e familiares em geral? Como é ingrato sabermos que o fim da vida dessa pessoa é o início de um problema para muitos, o de dar seguimento ao seu projecto de vida? O hoje lá se vai, mas quem sabe o amanhã? Ou melhor, é coisa de a pessoa se perguntar: por quantas vezes mais terei de voltar ao cemitério?
Por: Gociante Patissa, em memória de Gabriel Agostinho, o “Gaby” da Okutiuka, Lobito, 12/08/2006

sexta-feira, agosto 04, 2006

GESTOS DE ÁFRICA

Há um ano, tive a oportunidade de conhecer as terras de MANDELA. Não sou propriamente a melhor pessoa para falar da África do Sul. Além de ter permanecido por lá noventa dias, embora não como turista, é pouco tempo para perceber muitas dinâmicas. Acresce-se o facto de ser um grande admirador dos Sul-africanos e apaixonado pelo milagre da sua transição para a democracia. O exemplo de coragem e a capacidade de aceitação e superação deles bate fundo e forte no meu pequeno coração.
Mas hoje quero partilhar convosco a beleza e expressividade de um gesto. Passando pelas ruas de JB, Pretória, Petermarsberg(?) ou Durban há um gesto feito pelas mulheres que chama atenção aos observadores atentos. Uma mulher que se preza, quando sauda alguém que não conhece ou então com quem não tem muita intimidade não dá dois pares de beijos. Antes, estende-lhe a mão direita enquanto a mão esquerda segura, ligeiramente, o pulso da mão direita. Até aqui, nada de especial. A novidade, acessível à pessoas atentas, está no movimento que faz com a perna direita. Esta fica, simultaneamente, um pouco atrás e ligeiramente flectida. É um gesto muito rápido.
Intrigado com a situação e porque a curiosidade era muita, perguntei a uma amiga porque faziam aquilo. É sinal de respeito! A resposta foi, no mínimo surpreendente. Entei voltei à carga: mas vocês não fazem isso com toda gente? É verdade! Quando as pessoas já são da nossa intimidade nós vamos deixando de parte algumas regras de cortesia ou algumas formalidades sociais. É tão simples quanto isso. A questão não é fazer com uns e outros não, mas sim adaptar as regras sociais ao contexto. Fiquei estupefacto e sem palavras...
O " problema" voltou à baila quando fui ao Moxico, em meiados de Julho de 2006. No final de semana, fomos convidados a almoçar em casa do amigo do meu colega. Para meu espanto, a esposa do amigo repetiu o mesmo gesto e fiquei apreensivo. Para completar a confusão, quando fomos convidados a sentar à mesa, ela ofereceu-nos uma bacia com água morna para lavar as mãos e uma toalha. O dono de casa começou a comer com as mãos e nós seguimos o gesto. Foi, simplesmente, divino. Nunca vi coisa igual...
Para complicar o quadro, perguntei ao nosso amigo se a esposa era sul-africana. Ele respondeu-me que era do Bié! Na minha incredulidade, dirigi-me a ela em Umbundu e fui respondido à letra. Então, perguntei: donde é o amigo? Sou do Luena! Muita confusão em tão pouco tempo.
Uma vez no hotel, interroguei o meu colega sobre os gestos que tinha presenciado e contei-lhe a minha experiência da África do Sul. Ouviu-me, pacientemente, e disse: meu irmão a África está cheia de gestos e sinais comuns. Mudam os nomes, mas dizem a mesma coisa. O gesto da saudação também encontras na Zâmbia, Zimbabwe, Moçambique... Basta que a mulher seja educada num meio conservador e, uma vez adulta, tenha coragem de apresentar a sua educação.
E aquela de lavar as mãos com água morna e comer com as mãos, enquanto os talhares permanecem arrumados? É uma experiência que trouxemos da Zâmbia. Lá, as pessoas que se prezam, usem gravata ou não, mantêm esse gesto. Os talheres ficam arrumados à mesa, mas quase ninguém os usa.
Gostei da experiência e, sobretudo, da transnacionalidade dos gestos.
Até breve!!!
Upindi Pacatolo

terça-feira, agosto 01, 2006

COSTANGUEIRO II

Sentei pa descansar, quando apareceu um amigo completamente chateiado e aos berros. Tentei fingir que estava demasiado ocupado com os meus problemas, mas foi impossível. O meu amigo estava inconsolável. Foi assim que decidi falar com ele.
Então mano, qual é o problema? Tas a ver aquela via que sai da rotunda do zamba II e pessa pelo bairo azul? Yá tou a ver ( tive de fingir, porque não conheço Luanda, nem estou a ver..., talvez na imaginação, mas nem ai...). Apanhei ai o hiace pa ir ao trabalho, mas inventaram de fazer obra logo naquela estrada. Resultado: cortaram uma faixa da estrada e na que resta há muito engarrafamento. Pa variar, quando decidi ir à pé pa chegar ao salu antes de me marcarem falta, doutro lado da estrada as obras deram cabo de um cano de água e a rua ta toda "alagoada"( seria alagada se fosse apenas molhada, mas como formaram-se lagos...).
Para passar é preciso apanhar um costangueiro. Como havia muita gente apressada e poucos costangueiros, eles começaram a cobrar 100kz por cada travessia. Que absurdo! É o dobro do preço do taxi. Mas pronto né! Um gazo tem que bazar po salu e pronto, paga. Mas o pior tava pa chegar. Quando mesmo chegou a minha vez pa passar, epa quase a chegar no passeio o costangueiro começou a reclamar: Kota é muito bebucho, tem que dar 200kz, se não desce. Puto tas a gozar ou quê? Vou descer como? Então paga senão desce aqui mesmo!
Para meu azar: o puto fez-me descer! Com os sapatos e as claças entrei naquele alagoado e era uma vez: falta no salu, sapatos rebentados, e roupa molhada. Aquem devo pedir a responsabilidade pelos prejuízos?
Será que temos que fixar também o preço dos costangueiros pa travar a concorrência desleal ou
e preciso ter cuidado com os trabalhos nas estradas? Precisa-se, com urgência, recuperar a ética da responsabilização e fiscalização das obras públicas, porque no fim da linha é o pacato cidadão que paga a factura pesada.
Até breve!!!
Upindi Pacatolo