sábado, abril 23, 2005

DEPUTADOS DA OPOSIÇÃO DEVIAM FILIAR-SE NO MPLA

Deputados da oposição deviam filiar-se no MPLA, excepção seja feita aos do PRS
«Habemus Provedor de Justiça»!? Acabava de ver a notícia da eleição do novo Papa, que recaiu sobre o Cardeal Joseph Ratzinger, quando tomei conhecimento do e-mail que me foi enviado pelo meu amigo e distinto cidadão, Luís Araújo, que preside a associação cívica SOS Habitat, no qual me dava conta da eleição de Paulo Tjipilica ao cargo de Provedor de Justiça. Não há muito tempo, neste espaço, quando ainda se conjecturava a sua eleição, manifestei as razões da minha discordância e apresentei o enquadramento teórico e jurídico em que se conforma a figura de Provedor de Justiça, pelo que, hoje, se afigura desnecessário repeti-las. Na altura, como aliás fica confirmado, tinha plena consciência da impotência em que me encontrava ao emitir a minha opinião; fi-lo por imperativo cívico, dado que não compreendia, e continuo sem compreender, como é que alguém, como o cidadão em causa, que não oferece as mínimas condições políticas de independência, pode ser proposto, e inclusivamente eleito, para exercer um cargo cuja a margem de manobra e o poder de intervenção reside sobretudo na autoridade pessoal de quem o preside. No entanto, houve reacções que se seguiram – vindas de organizações cívicas angolanas, designadamente uma posição pública conjunta assinada pela Associação Justiça, Paz e Democracia, pela SOS HABITAT, pelo Centro Nacional de Aconselhamento (NCC), pelo RTC – Coligação para a Transparência e pela ADPCI, na qual solicitaram a todos os Deputados que criassem uma comissão de inquérito para aferir da idoneidade de Paulo Tjilipila, e apelavam para os perigos de se eleger uma pessoa sobre a qual recaem graves acusações públicas de práticas contrárias ao Direito e à Justiça – que fizeram nascer em mim a expectativa de que os Deputados, sobretudo os da Oposição, dificilmente aceitariam a referida pessoa. Não se pode, de ânimo leve, não dar atenção às acusações públicas que pendem sobre a pessoa em causa, mais ainda porque o cargo de Provedor de Justiça está, em muito, dependente da especial relação de confiança que os cidadãos e organizações cívicas estabelecem com o titular do cargo. Ocorre que Paulo Tjipilica não tem, na actualidade, qualquer credibilidade política, não só junto da sociedade, como também nos círculos do poder. Como poderá assim defender os direitos e interesses dos cidadãos em confronto com os poderes públicos? A nossa memória ainda está bastante fresca: Paulo Tjipilica acaba de sair do Governo, tendo, inclusive, batido recorde na manutenção do mandato enquanto membro do Governo central; esteve mais de 10 anos a dirigir o Ministério da Justiça, com uma oportunidade soberana de fazer reformas tão desejadas há muito. Porém, só lhe ficámos a conhecer a retórica vazia. Que não nos enganemos, não foi por competência que o mesmo se manteve tanto tempo à frente dos destinos da Justiça, não, até porque não parece que a competência tenha sido, algum dia, o critério seguido por quem tem poder de nomear e exonerar os Ministros; pelo contrário, quanto a nós, foi por cumplicidade, por estar comprometido e por ter perdido a capacidade política de propor e fazer. Sendo assim, importa perguntar, mas só àqueles que têm um mínimo de juízo e razoabilidade (porque aos outros nem vale a pena, uma vez que já sabemos do que são capazes, ou melhor, do que foram capazes: nomear um Provedor que será apenas uma figura cosmética, de «fachada» e «encenadora»): porque razão foi eleito Paulo Tjipilica? Não creio que haja alguma razão que seja minimamente convincente e defensável. Continuo a pensar que se trata de pura acomodação política. O que não é de estranhar, sendo uma iniciativa do partido governante, que, ao fim ao cabo, sempre nos habituou a manter toda a «lixeira» de pseudo «ex-governantes» activos e acomodados no poder, como se estivessem algemados com uma corrente elástica. Todavia, o que é profundamente obsceno e deplorável, e deixa-me completamente destroçado, é o facto de a oposição ter viabilizado a eleição de Paulo Tjipilica. A eleição do Provedor, nos termos da nossa Constituição, só pode ser conseguida com uma maioria de 2/3, o que, no actual quadro, obriga a um compromisso entre o partido governante e o maior partido da Oposição. Neste sentido, em minha modesta opinião, a Oposição tinha uma excelente oportunidade para exercer o seu papel, que não seria de se opor cegamente, tratava-se simplesmente de apresentar candidatos alternativos, que oferecessem o mínimo de garantias exigível. Perante o que aconteceu, é legítimo dizer que provavelmente andámos enganados; temos acreditado que, apesar de tudo, existe uma Oposição angolana capaz de opor-se construtivamente ao Governo, capaz de condicionar certas opções estratégicas e capaz de apontar um rumo diferente ao país, quando, infelizmente, parece que não tem tal capacidade ou, na pior das hipóteses, ela própria não existe. Se assim for, devemos nós desenganar-se! É facto que uma solução de compromisso pode estar na origem do voto favorável da oposição, excepção seja feita ao PRS. Se não tiver sido por solução de compromisso, possivelmente a UNITA terá viabilizado a eleição influenciada pelo factor étnico (o que é pouco provável) ou pela errada convicção de que estavam perante um antigo correligionário, que ainda conserva os valores e princípios que juntos comungaram, ao invés de olharem para o perfil e postura política dessa pessoa, hoje. Seja qual tiver sido a motivação é, sob todos os prismas, reprovável. Se for uma solução de compromisso, a UNITA estará tremendamente desorientada, porque revelaria não ter bem a noção estratégica que resulta dos ganhos parciais na consolidação de instituições vitais da democracia, como é o caso da Provedoria de Justiça. E se for verdade que a UNITA embarcou numa solução de compromisso, assim como os demais partidos da oposição, inclino-me a acompanhar o grito de revolta, tal como o expressou o meu amigo Luís Araújo no seu e-mail: «é melhor formalizarem a filiação partidária no MPLA», para que não continuemos a ser enganados, pensando que existe uma oposição, quando, na verdade, existirá apenas no «mundo das ideias». Com a viabilização do Provedor de Justiça, a Oposição banalizou o parlamento. A partir de agora deverá ficar calada quanto a matérias de igual natureza. Não parece que seja assim que se constroem alternativas e se mobiliza a sociedade para a mudança. Ainda que das alternativas que indicassem, se as tivessem ao menos apresentado, nenhuma fosse aprovada, a sociedade tomaria consciência de que existem pessoas capazes que podem a fazer a diferença e melhor do que o que tem sido feito até aqui, o que seria, sem dúvida nenhuma um ganho. E as pessoas não teriam que ser necessariamente da UNITA ou de outro partido da Oposição, poderiam até ir buscar alguém que fosse próximo do MPLA, mas cujo o perfil oferecesse a tal margem de manobra que já referi. Para terminar, vale referir que acompanhado do e-mail do meu amigo, Luís Araújo, vinha uma carta do escritório das Nações Unidas em Angola, dirigida às organizações cívicas angolanas, sensibilizando-as para a importância que terá a interacção com o Provedor de Justiça ora eleito, e afirmando que o Provedor de Justiça poderá fazer muito dependendo do papel que as organizações tiverem. Primeiro, acho infeliz a carta, discordo do ponto de vista que apresentam. É enganador. Porque sabemos, à partida, que o Provedor eleito não terá qualquer capacidade política para afrontar o poder estabelecido, porque ele próprio é parte e está mancomunado com este poder. A sua eleição é uma tremenda encenação, falseada de «democracia». É por isso que entendo que os representantes dos escritórios da Nações Unidas em Angola deveriam ter alguma contenção e evitar fazer pronunciamentos que denigrem e desprestigiam uma instituição internacional tão valorizada como a ONU. O problema que se coloca não é de fazer alguma coisa para constar dos relatórios, «para o inglês ver», trata-se, efectivamente, de ter as garantias mínimas de que o Provedor vai actuar em defesa dos cidadãos, dos princípios e valores constitucionais e dos mais nobres interesses públicos em jogo. São essas garantias que não existem, porque o Provedor eleito, com todo respeito que a sua pessoa nos merece, é um impotente «ab initio».
Pedro Romão, Estudante de Direito e Membro da Associação Justiça, Paz e Democracia

sexta-feira, abril 22, 2005

O NOSSO JURISTA

É de novo quinta-feira, são 20h30. Desta feita, encontro-me novamente no aeroporto da Portela, já não para tentar despachar mais uma parte da bagagem de um colega que se encontra na terra, mas sim para dar um grande abraço de bom regresso a uma compatriota. Ela terminou o curso de medicina dentária, com bastante brilho, por isso, vai com grande satisfação de dever cumprido.
Para nós que ficamos é sempre motivo de orgulho e de tristeza ver alguém que está de volta à casa. Orgulho porque é mais um filho (a) da terra que termina um curso superior e vai engrossar o leque dos quadros superiores do país, contribuindo assim para o seu desenvolvimento e crescimento, se bem aproveitados. É motivo de tristeza, porque ficamos privados da sua companhia física, do seu carinho, da sua amizade... de tudo que a sua presença representa, pelo menos até ao próximo reencontro.
Entretanto, não é de quem parte que nos apraz falar, mas sim do nosso "amigo jurista" que voltei a encontrar no aeroporto da Portela. Foi um reencontro difícil, confesso. Não queria acreditar naquilo que os meus olhos viam!!! Depois de uma longa hesitação, tomei coragem e aproximei-me do "nosso jurista", na expectativa que me fosse reconhecer, mas nada. Desanimado com o meu esforço não correspondido, aproximei-me mais do "jurista" e abordei-o como os outros: « boa noite! Será que me pode ajudar? Preciso muito enviar para Luanda uma impressora para um amigo». O "jurista" olhou-me bem nos olhos e, eu saisfeito de que ele me tivesse reconhecido, esbocei um sorriso amigo para quebrar o gelo, falicitar a negociação qui ça enviar de graça - e ai estaria feito porque eu não tinha impressora nenhuma - , mas o "nosso jurista" não me reconeheceu - que bom porque livrei-me de ser descoberto! -. Em resposta ao meu pedido, ele puxou-me à parte e perguntou: « quanto pagas?» Atónito, respondi-lhe: « nada, por isso estou a pedir-lhe um favor!». Ele pura e simplesmente não achou piada e dirigiu-se para outros que ali estavam com ar de quem paga bem.
Retirei-me com vontade de perguntar-lhe: então, ainda não voltou para o tribunal no exercício das suas funções? Tirou algumas férias por motivos válidos e está a aproveitar fazer um bocado de esquema, pondo em prática o direito comercial? Mas logo no aeroporto, não acha arriscado demais, já que os seus colegas podem passar por si nas suas vindas e idas? Será uma situação comum, daí não se importar com a escolha do lugar?
Seja verdade ou não, deu-me um aperto e pensei nos milhares funcionários da função pública, com salários altamente atrasados, mas sem alternativa à vista porque sem recursos que lhes permitam desenrascar-se em esquemas como o do "nosso jurista" ou semelhantes; pensei naqueles funcionários públicos cuja única alternativa - para cumprir o mandato do chefe : viver de esquemas ou fontes alternativas - é carregar ainda mais o fardo do pobre com as famosas gasosas na escola e na saúde; pensei naqueles que não podem recurrer a empréstimos sérios porque sem posses que cubram os riscos, restando-lhes o jogo da kixikila ( empréstimos semanais que têm origem no Roque entre os vendedores), que não raras vezes agrava a sua situação em si já periclitante...
Consegui pensar no nosso UÍGE abraços com a epidemia do Marburg, cujo fim parece tardar. Pensei nos funcionários da saúde do UÍGE cujo heroísmo é indescritível. Com salários de miséria, quando chegam, porque na maioria das vezes demoram uma eternidade, mas não cruzaram nem cruzam os braços e trabalham abnegadamente para tentar salvar as vidas possíveis de salvar!!!
Consolei-me, finalmente, com a certeza de que há ainda gente honesta e de bem que, não obstante os salários de miséria, o seu atraso e o conselho do chefe de viver de fontes alternativas ou seja de esquemas, luta por manter-se na sua profissão e honrá-la com dignidade. Está de parabéns o pessoal de saúde do UÍGE que vai fazendo pequenos milagres, não obstante todas adversidades.
Upindi Pacatolo

segunda-feira, abril 04, 2005

TRÊS ANOS DE PAZ, E AGORA?

Como comemorar a paz de 4 de Abril, com a guerra em CabindaNeste mês de Abril, Angola celebra o fim da guerra que durante quase três décadas dilacerou profundamente a nossa sociedade. Felizmente o triste calvário, de confronto armado, de matanças de civis inocentes, de destruição incalculável das infra-estruturas, de retrocesso transversal a todos os níveis, parece ter terminado. E digo parece ter terminado porque Cabinda tem estado em guerra; porventura sem a mesma intensidade - e com certeza sem a mesma cobertura mediática - daquela que verificávamos na guerra levada a cabo pelos dois grandes movimentos de libertação, hoje na veste de partidos políticos. É por isso, de certo modo, contraditório falar de paz em Angola, enquanto uma província sua se confronta com um indesmentível estado de guerra, a menos que, afinal, Cabinda não é Angola. Segundo relatos do clero local e da organização cívica Mpalambanda tem havido confrontos armados, se bem que esporádicos, dado que a guerrilha ficou desarticulada, que têm dizimado vidas humanas de civis inocentes, e está instalado em Cabinda um clima de quase estado policial, senão de terror, com os cidadãos a viverem em permanente insegurança. Então não foi por causa deste estado de coisas que organizações cívicas, pastores das igrejas angolana, partidos políticos da oposição civil se bateram, durante muito tempo, pelo fim da guerra? E se ela continua em parte do território nacional, porque razão há-de se fazer silêncio? Ou será que as vidas em causa em Cabinda valem menos do que noutras partes de Angola? Ou será que a intolerância política e as ameaças de morte de que são alvo os nossos concidadãos em Cabinda, que não são militares e nem estão nos cenários de confronto armado, não dizem respeito aos angolanos pacifistas, religiosos, humanistas e activistas de direitos humanos? É óbvio, quero crer, que dizem respeito! Sendo assim, apenas posso compreender que só razões de ordem táctica e oportunista estejam em causa; uma vez que a questão de fundo de Cabinda, na sua vertente de luta pela independência, seja politicamente fracturante: ou se é a favor da independência ou não. Ou seja, as pessoas parece recearem reprovar as práticas do Governo em Cabinda, porque temem ser vistos, ou conotados, como defensores da causa dos independentistas. Esse prisma maniqueísta de colocar o problema: de um lado os que são a favor da independência e de outro os que não são, é falacioso, senão falso. Porquanto não ser a favor da independência não é incompatível com a defesa da vida, do diálogo, da tolerância, da estabilidade e da paz social em Cabinda. Torna-se assim lamentável e incompreensível o silêncio que se tem observado em relação ao caso Cabinda; bem se percebe que o Governo está, hoje, com o «baralho» todo e portanto determina as regras do jogo. Contudo, julgo que não vale a pena o Governo continuar a «fazer de conta» que o problema não existe, dado que se trata de um problema real e com raízes profundas, e que não parece que vá terminar brevemente só porque há uma presença esmagadora das Forças Armadas Angolanas, que até terão destroçado a guerrilha das facções independentistas. Apesar de não conhecer, quiçá o mínimo necessário, da história e dos fundamentos subjacentes à questão de Cabinda, que me autorizariam a falar com propriedade, parece-me que o problema é fundamentalmente político e reclama, em consequência, uma solução política. É evidente que não sabemos se no mais profundo da vontade dos cidadãos de Cabinda haverá a aspiração pela independência tal como defendem alguns dos independentistas; será o mesmo que dizer que ninguém pode afirmar com certeza absoluta que as Flec’s representam a maioria dos cidadãos de Cabinda. Ou se, pelo contrário, não será uma consciência de injustiça e marginalização social que está em causa e que atiça o sentimento de autodeterminação em muitos cidadãos que habitam aquela parcela territorial. Porém, ainda que a luta que parte do povo de Cabinda faz resulte mais duma consciência de injustiça e menos de convicção pela genuína autodeterminação fundada, ainda assim estamos perante um problema que reclamaria do Estado soluções pensadas e não apenas sustentada força. É incorrecto e muito leviano refutar o sentimento de independência que se baseia no sentimento de injustiça dizendo apenas que «a ser assim, todas as províncias que se sentem injustiçadas, como são, a título de exemplo, os casos das «Lundas», teriam também direito à independência». A coesão e integridade nacionais asseguram-se mais com a integração e desenvolvimento das várias regiões (ou se quisermos províncias) que compõem o país, dando-lhes a autonomia necessária para que protagonizem, elas próprias, o desenvolvimento, com respeito pela unidade nacional, pela justa e proporcional contribuição pelo esbatimento das assimetrias existentes no todo nacional. Na verdade, com o actual sistema em que os governadores provinciais têm a mínima, ou até nenhuma, legitimidade democrática, mas acabam por ser os senhores «todo-poderoso» nas provinciais, decidindo sozinhos as prioridades do interesse público e o que fazer com os dinheiros que são destinados pelo Orçamento Geral do Estado às províncias, vão-se eternizar e reproduzir os sentimentos de exclusão e injustiça, causadores de convulsões sociais. E o problema torna-se mais grave se tivermos em conta a maior parte das províncias do interior do país, que são tratadas como parentes paupérrimos do Governo central. Faz todo o sentido que no quadro da reforma política do Estado, mormente na elaboração da futura Constituição, se eleja como prioridade incontornável a instauração das autarquias locais. É preciso que os problemas mais próximo dos cidadãos sejam resolvidos pelas autoridades locais que estejam mais próximo deles, partindo do pressuposto de que o Estado proporcionará os meios financeiros e administrativos necessários à execução das respectivas tarefas. As autarquias locais permitem que os cidadãos se sintam envolvidos e participes na governação dos interesses que lhes são mais próximos e dizem directamente respeito, com isso, serena o sentimento de marginalização em face das decisões políticas que influenciam o seu dia a dia; as autarquias locais servem também como uma escola política dos futuros dirigentes da Administração central do Estado e um espaço de acolhimento de todos aqueles que legitimamente aspiram exercer o poder político. Claro que Cabinda é um caso sui generis; mas a sua resolução passa inquestionavelmente pela existência de vontade política, de abertura para o diálogo e de ponderação criativa dos protagonistas políticos e sobretudo dos decisores. Nada obsta a que, no quadro da reforma política em curso no país, se pense num modelo de autonomização para Cabinda. É de elementar justiça que os cidadãos de Cabinda sintam que a sorte natural que tiveram ao nascerem naquele território tem implicações no nível e qualidade de vida que merecem ter - tal como merecem todos os angolanos, porque as riquezas que têm, racional e equitativamente distribuídas, o permitem. Voltando à questão inicial: a continuação da guerra em Cabinda não é nada de surpreendente, atesta bem os precedentes que se foram sedimentando na nossa história recente, de incapacidade de diálogo face a problemas de natureza político. Claro que não advogo que o Estado se demita de assumir a sua função de garante da legalidade. Mas o exercício dessa função não pode cegar o Estado na busca das soluções que acautelem valores maiores em causa, como seja a vida humana, a estabilidade e a paz, que são, afinal, os pressupostos para a instauração de um verdadeiro Estado democrático de direito e de um clima propício ao relançamento da nossa economia. Só neste quadro dar-me-ia por satisfeito e aceitaria comemorar - com a euforia que se apela e em plenitude - o dia 04 de Abril, porque traduziria efectivamente paz em Angola, de outro modo, seria nos iludirmos.

Pedro Romão, Estudante de Direito da UCP - PORTO e Membro da Associação Justiça, Paz e Democracia

sábado, abril 02, 2005

AMICI NON SERVI

Quando são passados três anos sobre a data da publicação deste manifesto no Seminário Maior do Bom Pastor - Secção de Teologia,Diocese de Benguela e, numa altura em que alguns dos seus signatários e obreiros são padres e diáconos, apraz-nos trazer à luz do dia este manifesto. Publicá-lo, neste momento, é uma forma de honrar a história recente do Seminário e, sobretudo, mostrar como a obra de Deus exige "fazer-se ao largo"..."abrir as portas à Cristo"..."ouvir o sopro do Espírito"..."libertação dos caprichos humanos"

"AMICI NON SERVI"
"CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE LIBERTAR-VOS-Á" (J0. 8,32)
Na "Gaudium et Spes" de Cristo que nos chama a sermos amigos e não servos, assumindo a eucaristia como vida - compromisso, juntos e livres, num só coração e numa só alma, e partindo do programa pastoral dos Bispos 'Justiça e Pão para todos', vimos por este meio, depois de longo tempo de inquieto conformismo, manifestar ao nosso querido pastor, D. Óscar Braga, a nossa mais profunda insatisfação.
Somos livres, criados à imagem e semelhança de Deus. Temos uma dignidade, recebemos uma vocação a qual muito amamos, estimamos e pela qual humildemente lutamos, não como mérito nosso, mas como Dom gratuito de Deus que transportamos em nosso corpo frágil, humilde, mas por Cristo feito santo. Pena é sentirmos que este precioso Dom do Pai serve, hoje, para nossa escravidão e desrespeito e por ele somos obrigados a carregar a cruz da sobrevivência e da ingênua frustração que em nada tem a ver com a cruz do sacrifício e do amor de Cristo. É bastante difícil, ter que abordar um problema que em situações normais nunca deveria ter sido apontado, sobretudo, num ambiente cristão como este e, ainda, num Seminário Maior de Teologia, onde o espírito de fraternidade e justiça devia ser o 'slogan' de cada dia. Mas, o problema existe, persiste e, infelizmente, deve ser abordado, pois, perigosamente, tem sido uma grande contracorrente no projecto vocacional que o próprio Cristo insuflou em cada um de nós. Não é possível caminharmos mais, embora a boa vontade não nos falte, nem a própria certeza do chamamento de Cristo. Ora, quando o estômago está vazio não há cabeça capaz de pensar. Ninguém pede mais senão o suficiente para vivermos como bons alunos e seminaristas com dignidade reconhecida. Assim, tendo presente todos os esforços de diálogo para uma formação mais digna da pessoa humana, e desiludidos pelas constantes respostas irresolúveis dos nossos principais responsáveis, para quem o problema é e continuará a ser uma 'vexatissima questio', com sinceridade, chamamos e apelamos às consciências dos mesmos a reconhecerem a dignidade que nos é devida, não só como cristãos, mas também como seminaristas e ainda como homens. É assim que os seminaristas diocesanos são a 'menina do olho' do bispo? É assim que o seminário é o 'Te Knon'(filho querido) da diocese?
CHEGA de nos amassarmos quando nos podemos amar. Chega de sermos seminaristas só quando se deve cantar na Sé; quando se deve encadernar para o Sínodo; quando pesa sobre nós o dever de cumprir o regulamento, exigindo que nos empenhemos fortemente no trabalho, nos ensaios de cantos, apesar de estarmos fisicamente debilitados pela nossa alimentação lamentável que nos obriga a fazer dos quartos autênticas cozinhas num real "salva-se quem poder", quando a economia devia ser a base de sustento da vida. Embora estejamos convictos de que a vida cristã busca antes o espiritual que o material, seria ingenuidade e blasfêmia excluirmos o " pão nosso de cada dia" das nossas necessidades não apenas vitais, mas também cristãs. E em decorrência de tudo isso, vemos um grande afrouxamento espeiritual. Para o cumulo, apesar de todo este sofrimento, ainda há professores que se dão ao luxo de reprovar injustamente um aluno por uma única disciplina. BASTA!!!
Exigimos, nós, seminaristas de teologia, que se contorne tal situação no tempo necessário. E enquanto se viabiliza a garantia de condições dignas e verdadeiramente humanas, nós assinantes deste MANIFESTO, ausentamo-nos abruptamente, com firme disposição de regressar tão LOGO SE SANE A PESTE. Desta feita, se no espaço de uma semana não formos devidamente informados através dos párocos ou outros meios justos, sobre as providências tomadas para o nosso bem-estar no Seminário, trataremos de retirar toda a nossa bagagem do mesmo, deixando que Deus decida pela nossa sorte.
Benguela, 23 de Março de 2002
Memória de S. Toríbio de Mongrovejo
Esperando o abrandamento ou o agravamento da situação, mediante as próximas informações, eu teólogo, por punho próprio, subscrevo-me(ver: 3Jo. 1,13-15ª)