Deputados da oposição deviam filiar-se no MPLA, excepção seja feita aos do PRS
«Habemus Provedor de Justiça»!? Acabava de ver a notícia da eleição do novo Papa, que recaiu sobre o Cardeal Joseph Ratzinger, quando tomei conhecimento do e-mail que me foi enviado pelo meu amigo e distinto cidadão, Luís Araújo, que preside a associação cívica SOS Habitat, no qual me dava conta da eleição de Paulo Tjipilica ao cargo de Provedor de Justiça. Não há muito tempo, neste espaço, quando ainda se conjecturava a sua eleição, manifestei as razões da minha discordância e apresentei o enquadramento teórico e jurídico em que se conforma a figura de Provedor de Justiça, pelo que, hoje, se afigura desnecessário repeti-las. Na altura, como aliás fica confirmado, tinha plena consciência da impotência em que me encontrava ao emitir a minha opinião; fi-lo por imperativo cívico, dado que não compreendia, e continuo sem compreender, como é que alguém, como o cidadão em causa, que não oferece as mínimas condições políticas de independência, pode ser proposto, e inclusivamente eleito, para exercer um cargo cuja a margem de manobra e o poder de intervenção reside sobretudo na autoridade pessoal de quem o preside. No entanto, houve reacções que se seguiram – vindas de organizações cívicas angolanas, designadamente uma posição pública conjunta assinada pela Associação Justiça, Paz e Democracia, pela SOS HABITAT, pelo Centro Nacional de Aconselhamento (NCC), pelo RTC – Coligação para a Transparência e pela ADPCI, na qual solicitaram a todos os Deputados que criassem uma comissão de inquérito para aferir da idoneidade de Paulo Tjilipila, e apelavam para os perigos de se eleger uma pessoa sobre a qual recaem graves acusações públicas de práticas contrárias ao Direito e à Justiça – que fizeram nascer em mim a expectativa de que os Deputados, sobretudo os da Oposição, dificilmente aceitariam a referida pessoa. Não se pode, de ânimo leve, não dar atenção às acusações públicas que pendem sobre a pessoa em causa, mais ainda porque o cargo de Provedor de Justiça está, em muito, dependente da especial relação de confiança que os cidadãos e organizações cívicas estabelecem com o titular do cargo. Ocorre que Paulo Tjipilica não tem, na actualidade, qualquer credibilidade política, não só junto da sociedade, como também nos círculos do poder. Como poderá assim defender os direitos e interesses dos cidadãos em confronto com os poderes públicos? A nossa memória ainda está bastante fresca: Paulo Tjipilica acaba de sair do Governo, tendo, inclusive, batido recorde na manutenção do mandato enquanto membro do Governo central; esteve mais de 10 anos a dirigir o Ministério da Justiça, com uma oportunidade soberana de fazer reformas tão desejadas há muito. Porém, só lhe ficámos a conhecer a retórica vazia. Que não nos enganemos, não foi por competência que o mesmo se manteve tanto tempo à frente dos destinos da Justiça, não, até porque não parece que a competência tenha sido, algum dia, o critério seguido por quem tem poder de nomear e exonerar os Ministros; pelo contrário, quanto a nós, foi por cumplicidade, por estar comprometido e por ter perdido a capacidade política de propor e fazer. Sendo assim, importa perguntar, mas só àqueles que têm um mínimo de juízo e razoabilidade (porque aos outros nem vale a pena, uma vez que já sabemos do que são capazes, ou melhor, do que foram capazes: nomear um Provedor que será apenas uma figura cosmética, de «fachada» e «encenadora»): porque razão foi eleito Paulo Tjipilica? Não creio que haja alguma razão que seja minimamente convincente e defensável. Continuo a pensar que se trata de pura acomodação política. O que não é de estranhar, sendo uma iniciativa do partido governante, que, ao fim ao cabo, sempre nos habituou a manter toda a «lixeira» de pseudo «ex-governantes» activos e acomodados no poder, como se estivessem algemados com uma corrente elástica. Todavia, o que é profundamente obsceno e deplorável, e deixa-me completamente destroçado, é o facto de a oposição ter viabilizado a eleição de Paulo Tjipilica. A eleição do Provedor, nos termos da nossa Constituição, só pode ser conseguida com uma maioria de 2/3, o que, no actual quadro, obriga a um compromisso entre o partido governante e o maior partido da Oposição. Neste sentido, em minha modesta opinião, a Oposição tinha uma excelente oportunidade para exercer o seu papel, que não seria de se opor cegamente, tratava-se simplesmente de apresentar candidatos alternativos, que oferecessem o mínimo de garantias exigível. Perante o que aconteceu, é legítimo dizer que provavelmente andámos enganados; temos acreditado que, apesar de tudo, existe uma Oposição angolana capaz de opor-se construtivamente ao Governo, capaz de condicionar certas opções estratégicas e capaz de apontar um rumo diferente ao país, quando, infelizmente, parece que não tem tal capacidade ou, na pior das hipóteses, ela própria não existe. Se assim for, devemos nós desenganar-se! É facto que uma solução de compromisso pode estar na origem do voto favorável da oposição, excepção seja feita ao PRS. Se não tiver sido por solução de compromisso, possivelmente a UNITA terá viabilizado a eleição influenciada pelo factor étnico (o que é pouco provável) ou pela errada convicção de que estavam perante um antigo correligionário, que ainda conserva os valores e princípios que juntos comungaram, ao invés de olharem para o perfil e postura política dessa pessoa, hoje. Seja qual tiver sido a motivação é, sob todos os prismas, reprovável. Se for uma solução de compromisso, a UNITA estará tremendamente desorientada, porque revelaria não ter bem a noção estratégica que resulta dos ganhos parciais na consolidação de instituições vitais da democracia, como é o caso da Provedoria de Justiça. E se for verdade que a UNITA embarcou numa solução de compromisso, assim como os demais partidos da oposição, inclino-me a acompanhar o grito de revolta, tal como o expressou o meu amigo Luís Araújo no seu e-mail: «é melhor formalizarem a filiação partidária no MPLA», para que não continuemos a ser enganados, pensando que existe uma oposição, quando, na verdade, existirá apenas no «mundo das ideias». Com a viabilização do Provedor de Justiça, a Oposição banalizou o parlamento. A partir de agora deverá ficar calada quanto a matérias de igual natureza. Não parece que seja assim que se constroem alternativas e se mobiliza a sociedade para a mudança. Ainda que das alternativas que indicassem, se as tivessem ao menos apresentado, nenhuma fosse aprovada, a sociedade tomaria consciência de que existem pessoas capazes que podem a fazer a diferença e melhor do que o que tem sido feito até aqui, o que seria, sem dúvida nenhuma um ganho. E as pessoas não teriam que ser necessariamente da UNITA ou de outro partido da Oposição, poderiam até ir buscar alguém que fosse próximo do MPLA, mas cujo o perfil oferecesse a tal margem de manobra que já referi. Para terminar, vale referir que acompanhado do e-mail do meu amigo, Luís Araújo, vinha uma carta do escritório das Nações Unidas em Angola, dirigida às organizações cívicas angolanas, sensibilizando-as para a importância que terá a interacção com o Provedor de Justiça ora eleito, e afirmando que o Provedor de Justiça poderá fazer muito dependendo do papel que as organizações tiverem. Primeiro, acho infeliz a carta, discordo do ponto de vista que apresentam. É enganador. Porque sabemos, à partida, que o Provedor eleito não terá qualquer capacidade política para afrontar o poder estabelecido, porque ele próprio é parte e está mancomunado com este poder. A sua eleição é uma tremenda encenação, falseada de «democracia». É por isso que entendo que os representantes dos escritórios da Nações Unidas em Angola deveriam ter alguma contenção e evitar fazer pronunciamentos que denigrem e desprestigiam uma instituição internacional tão valorizada como a ONU. O problema que se coloca não é de fazer alguma coisa para constar dos relatórios, «para o inglês ver», trata-se, efectivamente, de ter as garantias mínimas de que o Provedor vai actuar em defesa dos cidadãos, dos princípios e valores constitucionais e dos mais nobres interesses públicos em jogo. São essas garantias que não existem, porque o Provedor eleito, com todo respeito que a sua pessoa nos merece, é um impotente «ab initio».
Pedro Romão, Estudante de Direito e Membro da Associação Justiça, Paz e Democracia