domingo, março 20, 2005

PORQUE RAZÃO O MPLA NÃO MUDA?

Porque razão o MPLA não muda, e se não mudar quem o fará por ele?É muito provável que a pergunta que dá titulo a minha reflexão de hoje seja redutora e sugira igualmente uma resposta pouco aprofundada. Porém, esforçar-me-ei por ver um pouco mais longe daquilo que nos é dado a apreciar pelas aparências do quotidiano de um partido em que muitos, como eu, ainda esperam que saiba se posicionar face aos novos desafios da democracia. É sabido que o MPLA é um partido com elevada responsabilidade no presente e – acredito – no futuro de Angola. Não creio que alguém vaticina o seu desaparecimento no espectro político angolano, mesmo num quadro de pura «concorrência». É, sem dúvida, um partido de poder, desde logo, em virtude do seu passado histórico, e mais ainda, pelo facto de representar uma parte significativa dos cidadãos angolanos, apesar de presentemente não podermos, com precisão, estabelecer a percentagem exacta da sua representatividade.Julgo que agora não importa nos referirmos ao passado, cruel e atroz, que vitimou inúmeras vidas, que estrangulou a estrutura física do país e que nos relegou para um plano infra-humano e social. Porém, do nosso passado não nos podemos esquecer e devemos assumi-lo como lição a não voltar...O que é relevante actualmente é reconstruirmos as nossas vidas, é voltarmos a acreditar que uma nova Angola é possível, baseada na Paz, na Justiça (aproveitando a deixa do Congresso Pro Pace), no respeito pela diferença, na Educação, na democratização das nossas instituições e na estabilização e crescimento da nossa economia. Estes são alguns dos objectivos que devem ser perseguidos pelos partidos que desejam governar Angola, quaisquer que eles sejam. E o MPLA, porque é um partido com vocação de poder não deverá furtar-se deles. Mas não basta apenas a vontade de ser um partido com vocação e querer governar o país... Num quadro de competição política, como o que desejamos para o nosso país, os partidos devem, eles próprios, ser capazes e estarem a altura das exigências do momento na sociedade angolana.Significa isto que os partidos não só devem ter programas consentâneos com a democratização, o Estado de direito e o desenvolvimento sustentado, como também (o que é mais importante), devem ter pessoas com competência, vontade e fôlego, que resulte além da formação, das convicções e experiências de vida. Neste sentido, vejo com enorme preocupação a contribuição do MPLA no processo de democratização do país. Porque não tem as pessoas com esse perfil, ou se as tem, não têm o espaço e protagonismo necessário.Como consequência, o país está refém do MPLA, como esteve, a tempos atrás, de uma estúpida guerra.Fica mal ao MPLA continuar a declarar-se como agente da democratização e desenvolvimento de Angola, quando a sua prática continua a ser a de um partido internamente intolerante à diferença, ao pluralismo de opinião, ao confronto político entre as diferentes tendências – que acho que as há dentro do seu seio. E quando continua a ser um partido avesso à afirmação de novas lideranças, de novas ideias, e de novos métodos que privilegiem a democraticidade, a transparência, o mérito, a sustentabilidade, etc, que são afinal de contas, também, os apanágios dos desafios que se propõem ao país. Preocupa-me que essa postura errática do aparelho partidário do MPLA, pois o MPLA não se reduz àqueles que hoje o dirigem, é mais do que isso, representa um conjunto bastante diverso de cidadãos, que almejam ardentemente por uma nova Angola. E esse aparelho partidário tem rosto. E esse rosto tem nome. Chama-se Senhor Engenheiro José Eduardo dos Santos! Afora o respeito que nutro por ele (e que merece de todos os cidadãos) como, aliás, tenho por qualquer outro ser humano, desconsidero profundamente o método que hoje usa para dirigir o MPLA. Creio que é chegado o momento de o Senhor Engenheiro José Eduardo dos Santos abandonar o poder, devendo em consequência:Deixar que quem tenha vontade de firmemente democratizar o partido e, por via disso, contribuir para a democratização do país, o assuma; Deixar que quem tenha a capacidade e competência de apresentar novas ideias e indicar um novo rumo de desenvolvimento para o país, o faça; Deixar que quem tenha coragem de lutar contra a letargia social, contra a corrupção e contra a injustiça, se apresente primeiro ao MPLA e depois ao país. Por isso mesmo, é lamentável, que ele próprio continue a alimentar a esperança de dirigir o MPLA, ou pôr na sua direcção uma qualquer pessoa da sua conveniência, apenas com a obsessão da sua protecção futura, sem se importar com o futuro do partido e do país. Se isso acontecer, será mais um recuo e não avanço, será mau para um partido, que quer disputar «democraticamente» o poder com os outros partidos políticos. Pode até haver partidos na oposição que, também, não sejam democráticos internamente (o que não deixa de ser igualmente preocupante), mas o MPLA, quanto a mim, deve ser, tal como a UNITA e a FNLA, um partido exemplar e da vanguarda pelas mudanças positivas. Acho que é chegado o momento para que os militantes do MPLA tenham consciência do desafio histórico que lhes assiste: ou optem pelo caminho aparentemente mais difícil, mas que assegura mais vantagens futuras para a maioria dos cidadãos angolanos, ou optem pelo caminho mais fácil e menos digno, submetendo-se mais uma vez à vontade, que prefiro não qualificar, de quem se mostra já incapaz e sem forças para inovar e fazer melhor. Por amor de Deus, não deixem os créditos que têm em mãos alheias, pelo menos uma vez na vida. É importante para a democracia e para o país que o MPLA se regenere com o que tem de melhor dentro de si. Se o fizerem, todos iremos ganhar, para o bem do nosso belo e portentoso país (aproveitando a deixa da campanha patriótica da JMPLA).

Pedro Romão, Estudante de Direito e Membro da Associação Justiça, Paz e Democracia

sábado, março 19, 2005

VERGONHA OU FINURA?

O tempo passa e com ele coisas boas e más. Encontrámo-nos e nos desencontrámos com pessoas, umas boas e outras como Deus permite. Mas a vida é feita de pequenas e grandes coisas ... e o olhar dual para a realidade que nos interpela é quase forçoso. Nesse ir e vir, há coisas que vão ficando teimosamente. Assim, é o caso de uma frase que se vai tornando refrão nos nossos encontros e reencontros:«mudámos de continente, mas não mudámos de hábitos e costumes!». Se para algumas coisas e situações este refrão é motivo de orgulho e identidade, para outras é motivo de grande vergunha e pesar. Vamos falar daquelas (coisas e situações de orgulho e identidade).
À boa maneira da terra, fazer anos é um grande acontecimento e serve de pretexto para juntar família e amigos, em casa no final de semana - à volta de um bom calulu, feijão de óleo de palma, sumate, peixe grelhado ( na falta de um bom mukako) e o nosso pirão - para cantar os parabéns, desejar felizes e longos anos de vida, dançar, comer e beber. O momento é também aproveitado para o reencontro de amigos, separados pelas dificuldades e exigências inerentes à vida de emigração; para matar saudades e meter a conversa em dia; aproximações e troca de experiência entre gerações.
A pouco e pouco o ambiente vai aquecendo, e quando o encontro é em casa de alguém de respeito, em vez das nossas músicas e danças "modernas", ouve-se boa música da terra e conversa-se educadamente. O que é quase impossível hoje nas nossas festas e encontros, acontece com toda naturalidade: ninguém dança, simplestemente aproveita-se o momento para reflectir, trocar ideias, identificar pessoas e lugares comuns, recuar no tempo e no espaço distantes (para uns) e próximos (para outros), ouvir os mais velhos e ganhar juízo. Todos portam-se lindamente como se alguém tivesse dito «na minha casa as regras do jogo são essas!»
Entretanto, o tempo passa e os mais novos apercebem-se que os kotas são todos do Lobito excepto um de Benguela. Encorajados pela proximidade, começam a dar sinal de alguma impaciência. Para admiração dos kotas, os miúdos vão exprimindo a sua impaciência e o seu descontentamento não em calão, mas em Umbundu. Com esforço, os kotas percebem que não estão diante de uns miúdos quaisquer.
Nesse instante, porque a conversa já estava temperada com a cerveja, tornando-se quase impossível mantê-la só em Português, um dos miúdos pergunta aos kotas «alguém não fala ou não percebe Umbundu»? Depois de um breve silêncio, a resposta não se fez esperar «ninguém»! «Que alívio! Podemos conversar à vontade , sem correr o risco de ofender alguém por se sentir excluído» - desatou um dos miúdos.
De tão à vontade, os miúdos esqueceram-se do Português e começaram a falar fluentemente em Umbundu. Os kotas espantados e boqueabertos, dão-se conta que a geração da guerra fala tão bem e tão à vontade a língua que eles se desabituaram com o tempo - "não sei se é por vergonha ou finura, mas que finura é essa" (cf. Dog Murras). Do meio da assembleia, uma voz fez-se ouvir« vocês são mesmo do Lobito»? Em uníssono, os miúdos responderam «sim»! A voz carregada de alegria e admiração continuou « mas onde aprenderam a falar tão bem a nossa língua? Nós não falámos e nem entendemos tudo o que vocês dizem»! Intrigados, os miúdos responderam« aprendemos no Lobito, em nossas casas e aperfeiçoamos com nosso esforço e nossa vontade. Nós vivemos o mato na periferia da cidade». «Mas nós também somos do vosso bairro»! Rematou aquela voz do kota.
Sentido-se iluminado, um dos miúdos rematou« vocês cresceram numa época de transição do campo para a cidade, da colonização para a descolonização, em que falar Umbundu ou outra língua nacional era complicado. Vossos pais preferiram ensinar-vos Português e incentivar-vos no seu uso para não ficarem privados de muitas oportunidades, negando-vos assim um bem inalienável e tão precioso que é a vossa língua nacional. Esta ficaria por vossa conta e inteira responsabilidade, uma vez homens e mulheres que podessem lutar pelo seu ensino, defesa e preservação porque vos identifica como nação Bantu. Porém vocês cresceram e envergonharam-se do vosso passado e da vossa memória colectiva penetráveis apenas pela língua nacional. E, o resultado não podia ser outro senão esse.
Quanto a nós, geração da guerra, tivemos outra sorte. A escola deslocou-se para a periferia ( pelo menos os primeiros anos escolares); a cidade deixou de ser tão atractiva; a companhia dos avós e dos pais passou a ser fundamental na ausência de luz eléctrica e televisão. Apredemos o Umbundu! A guerra pós-eleitoral obrigou-nos a fugir muitas vezes e, nessas fugas redescobrimos o valor e o preço da nossa identidade linguística e da nossa unidade na diversidade. Aprendemos a dar valor a um bem inalienável: a língua. Por isso, sempre que nos encontrámos ou comunicámos fazemo-lo em Umbundu, mantendo a preocupação de não excluir ninguém do nosso convívio»! Ouviu-se do fundo da sala«Wamba ondaka!»
Upindi Pacatolo

segunda-feira, março 07, 2005

CONCLUSÕES DO II CONGRESSO PRO PACE

O II Congresso Pro Pace, subordinado ao tema “Construtores de Democracia”, foi aberto no dia 2 na Universidade Católica sob a presidência do Cardeal Dom Alexandre do Nascimento e encerrou hoje com uma Eucaristia na Cidadela Desportiva sob a presidência do Cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz. Entre os oradores, destaque para o Professor Cavaco Silva, ex-primeiro Ministro de Portugal, o Cardeal Renato Martino, o Arcebispo de Luanda, Dom Damião Franklin, o Dr Bornito de Sousa, a Dra Teresa Cohen, o Dr Jaka Jamba, o Rev. Luis Nguimbi, a Dra Vera Araújo e o jornalista Ismael Mateus. O Congresso foi organizado pelo Movimento Pro Pace, presidido pelo bispo do Uíje, Dom Francisco da Mata Mourisca.
A seguir transcrevemos todas as CONCLUSÕES:
“1. DEMOCRACIA E DESENVOLVIMENTO. Em ordem a uma crescente estabilidade política e económica, que estimule os investidores e o desenvolvimento, sejam cada vez mais fortalecidos os mecanismos da nossa democracia, proporcionando a todos os cidadãos as mesmas oportunidades, com pleno respeito pelas suas respectivas liberdades fundamentais. E para que a reabilitação do nosso País bem como o seu desenvolvimento não sofram constrangimentos indesejáveis, saudamos todo o apoio possível da comunidade internacional, que nos ajude nesta hora crucial.
2. DIREITOS HUMANOS E DEMOCRACIA. Seja garantida, em toda a parte, a vigilância e a defesa dos direitos humanos, com especial atenção para o direito à saúde e à reputação, mormente dos velhos, mulheres e crianças. Para tanto, urge proscrever radicalmente a profissão daqueles que, com as suas falazes adivinhações, põem em risco a segurança e a vida dos citados velhos, mulheres e crianças.
3. ELEIÇÕES E DEMOCRACIA. Para as eleições serem livres e justas, sejam também esclarecidas. E para serem esclarecidas, facilite-se a todos os cidadãos, mesmo das zonas mais remotas, o acesso ao conhecimento dos diversos Partidos e seus programas. Pela mesma razão, os eleitores jamais sejam condicionados, de forma alguma, nem por pressões, nem por intimidações, nem por aliciamentos indevidos. Além disso, sejam criados mecanismos adequados que não deixem margem a possíveis fraudes. E se algumas destas acontecerem, sejam submetidas a Tribunal credível que as julgue e sancione.
4. ALTERNÂNCIA DO PODER E DEMOCRACIA. Importa sobremaneira mentalizar os Partidos para a hipotética alternância do poder, de tal maneira que o resultado das eleições, uma vez verificada a sua legitimidade, seja aceito por todos com dignidade, sem contestações infundadas.
5. OPOSIÇÃO E DEMOCRACIA. Os Partidos concorram às eleições com verdadeiro espírito patriótico, colocando o bem nacional por cima do partidário, sabendo ganhar com modéstia e perder sem frustração. Em eleições democráticas, ninguém perde absolutamente, nem os que ficam na oposição, a qual constitui um cargo insubstituível em qualquer regime democrático.
6. LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. O direito à liberdade de expressão tem duas vertentes: a primeira, é o direito de manifestar a sua opinião por meios públicos sobre assuntos públicos que lhe dizem respeito; a segunda, é ser informado sobre as diversas opiniões acerca dos mesmos assuntos. Daqui a exigência da liberalização dos meios de comunicação social, entre os quais os participantes insistem que a Rádio ECCLESIA seja ouvida, quanto antes, em todas as dioceses ou Províncias.
7. CIDADANIA E DEMOCRACIA. Todos os cidadãos têm o direito e o dever de exercer a sua cidadania, participando, cada qual a seu modo, na vida pública. Um dos modos mais expressivos de exercer essa cidadania é a prática da votação eleitoral, especialmente se for autárquica. Então, na perspectiva das eleições nacionais que se aproximam, urge possibilitar as vias de acesso de tal maneira que, por falta desta condição, nenhum cidadão fique impedido de votar.
8.UNIDADE E PLURALIDADE. Os meios de comunicação social bem como quaisquer outros meios de comunicação sejam mensageiros da unidade na pluralidade, de forma a criar na consciência de todos os cidadãos um profundo sentimento de comunhão e amor fraternos, numa Pátria multiforme mas una e coesa.
9. DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. Para melhor realizar todo este ambicioso projecto, fazemos votos porque se difunda, no meio de nós, a Doutrina Social da Igreja, cuja edição brevemente estará disponível em língua portuguesa.
10. CONGRESSOS DIOCESANOS. Finalmente, pedimos a quem de direito que este Congresso se repita, em tempo oportuno, nas próprias dioceses ou províncias.”

terça-feira, março 01, 2005

A UNITA EMBARCOU NUMA AVENTURA

Quando os historiadores se derem ao trabalho, se é que já não o estão a fazer, de investigar a identidade e o papel de actores estrangeiros na guerra que se seguiu às eleições de 1992, o nome da companhia sul-africana Executive Outcomes, EO eventualmente aparecerá nas primeiras linhas. Esta empresa foi citada várias vezes, e por várias fontes, como tendo servido ambas partes do conflito: primeiro a UNITA, e depois o Governo. Supostamente fê-lo fornecendo precioso know-how.
Três anos depois do fim da guerra, o assunto permanece quase "impenetrável". A EO foi desactivada, e o que resta desta está inacessível; o governo não se abre, e a UNITA, diz na voz do general Numa que ela nunca teve contactos com a EO. Entrevistado recentemente pela Voz da América o general Abílio Camalata Numa, ao tempo chefe das Operações, disse que a relação da UNITA com instituições sul-africanas, terminou pouco antes da independência da Namíbia, e em momento algum ela passou pela Executive Outcomes.

Voz da América- General, já ouviu certamente alegações que dão como certa um "casamento" entre a UNITA e a Executive Outcomes..na verdade o que foi que se passou?
General Numa- Tivemos uma relação com o governo sul-africano da era do aparthied, de 1979, até a fase de transição para a independência da Namíbia. Depois disso nos emancipamos, e começamos a conduzir a nós próprios. Em 1991, em face de fragilização das estruturas do governo em quase todo o país, conseguimos conquistar uma certa supremacia no terreno, controlando áreas de diamantes, o que por sua vez nos permitiu ter dinheiro para comprar armas e sustentar a diplomacia.
Na verdade nunca tivemos uma relação com a EO. Tivemos sim, numa fase posterior, uma certa abertura com países do leste europeu, que foi resultado do desmantelamento das estruturas destes países. Estavam um pouco desorganizados. Houve aí também um certo oportunismo por parte das elites militares daqueles países que começaram a negociar armamento. Tivemos relações com estes, mas nunca tivemos nada com a EO.
VOA- A que país se refere exactamente?
GN- Refiro-me à Ucrânia. Foi com armamento obtido na Ucrânia que sustentamos os primeiros confrontos em 1999; foi com este material que a UNITA conseguiu desbaratar a primeiras unidades que se encaminhavam para o Andulo e Bailundo, o que criou um certo status-quo na situação militar em todo o país. A situação mudou-se posteriormente, como resultado em parte, de problemas internos da UNITA que penso serem do conhecimento de todos.
VOA- Comunicação e abastecimento foram coisas que seguraram as tropas da UNITA até, pelo menos 2000, quando as sanções começaram a apertar .. como é que as coisas eram feitas até aí?
GN- O que não conseguíamos aos camponeses cá dentro, íamos buscar lá fora, sobretudo ao Zaire. Quando Mobutu sai da cena política, a UNITA virou-se para frentes como a Ucrância de onde partiam aviões de grande porte para o Andulo. Isto permitiu-nos sustentar a guerra durante muito tempo.
VOA- Depois houve uma reviravolta .. houve sanções...Que impacto tiveram as sanções na capacidade de resposta das tropas da UNITA?
GN- A reviravolta que se deu, foi em função da situação interna da própria UNITA, e não porque as FAA tivessem tido uma supremacia no terreno. Foi exactamente ao contrário. Dos antigos cabos de guerra que a UNITA tinha, tinham sobrado muito poucos....eu , o Bock, e depois nós tínhamos os nossos lugar-tenentes como o Tarzan, o Antero..e outros oficiais que poderia nomear .. e foi esta base que foi destroçada internamente por questões políticas. Surgiu uma nova geração de oficiais que continuou a sustentar a guerra, mas não podiam dirigi-la de forma vitoriosa, porque enfim, tinham deficiências, não tinham experiência.
VOA- Está a sugerir que do ponto de vista logístico, a UNITA estava em condições de competir com as tropas do Governo?
GN- Estava sim senhora ! A UNITA podia sustentar uma guerra. Mas deixa-me ser franco .. nunca acreditei numa vitória militar quer do governo quer da UNITA. Eu sempre acreditei numa vitória negocial do povo angolano para se ultrapassarem algumas debilidades que persistem até hoje .. sempre acreditei numa vitória que pudesse amenizar estas situações .. Infelizmente a UNITA embarcou numa estratégia aventureira, que permitiu o desmantelamento das suas bases de sustentação, e posteriormente não conseguiu com os oficiais que colocou na ribalta ,controlar a guerra..
VOA- Ao que é que se refere quando fala de estratégia aventureira?
GN- A UNITA conseguiu ter tanques, a UNITA conseguiu ter carros de assalto, a UNITA conseguiu ter uma artilharia reactiva de alto calibre ..Tudo isto criou formas de ver as coisas de ânimo leve. Se este arsenal todo estivesse a ser comandado por oficias competentes, oficiais que no passado tinham dado mostras de valor na condução de homens, na elaboração de estratégias e de políticas, a UNITA poderia chegar a uma situação de equilíbrio com o governo, e fazer uma negociação mais equilibrada.
VOA- A queda do Bailundo e do Andulo, terá sido, no seu entender resultado das insuficiências das elites que fala?
GN- Deixa-me dizer-lhe uma coisa: eu fui preso no dia 15 de Novembro de 1998..Logo, quando inicia a segunda fase da guerra, apenas tomei parte na elaboração dos planos, e não tomei parte na condução das tropas. Eu era o chefe das operações....o general Bock, que era o chefe do EM, participou na fracassada batalha do Kuito, depois disso foi retirado, já na altura o general Vatuva por razões que só o tempo esclarecerá já tinha sido afastado, o Tarzan estava preso, havia outros oficiais que também já não fazia parte do comando de tropas .. é assim.. a base que poderia sustentar a guerra de forma mais equilibrada tinha desaparecido.
VOA- A sua prisão e do general Tarzan, foram feitas por ordem de Jonas Savimbi .. certo?
GN- Exacto
VOA- General..mas faltaram naquela altura por parte UNITA sinais de que ela estava de facto à procura de uma solução negociada..
GN- Eu disse antes que a UNITA não poderia perseguir de uma estratégia de vitória militar...A nível internacional as diplomacias ,as correntes de pensamento e os movimentos que se sentiam não permitiam .. Logo, só tínhamos uma saída: combinar a estratégia diplomática..com estratégias políticas e militares. Fizemos isso durante a guerra, com o Adalberto que estava na Itália, o próprio Samakuva que estava em paris, o Jardo que estava em Washington .. enfim .. todos fizeram parte da cadeia do pensamento do partido sobre uma aproximação ao governo...
VOA- Nunca percebi porque razão é que a UNITA levou muito tempo a admitir que tinha perdido o Bailundo e o Andulo.. Foi para evitar a desmoralização maior das tropas?
GN- A UNITA não perdeu tempo .. o Governo estava à vontade para reivindicar , só que não fez quando as pessoas esperavam porque não lhe convinha.
VOA- Lembro-me de ter falado com várias fontes da UNITA que estavam no interior, e nenhuma delas admitiu a queda destas duas localidades .. pareceu-me que estavam à espera que fosse o governo a fazer isso.
GN- Luís.. não sei se se recorda .. depois da queda do Bailundo e do Andulo, eu fiz uma entrevista consigo depois destas duas batalhas na qual que dizia que a UNITA tinha perdido uma batalha, mas que não tinha perdido 85 por cento da sua capacidade militar .. não sei se se recorda...
VOA- Lembro-me .. mas o que se viu das imagens que o governo passou para o mundo é que a UNITA tinha perdido muita coisa....incluindo informação militar estratégica..
GN- O arsenal pesado a UNITA tinha perdido quase todo. Tínhamos ficado com capacidade política e de organização militar que poderíamos reconverter em unidades de guerrilha, que é uma doutrina que a UNITA conhece bem, e que poderia levar a bom termo sem grandes problemas ..Se formos a olhar para trás veremos que esta guerra teve capítulos muito importantes ..A UNITA teve grandes vantagens no norte; em Benguela as nossas tropas tinham iniciativa e gozavam de liberdade de acção...
VOA- Suponho que estava com Jonas Savimbi quando o Presidente José Eduardo dos Santos, creio que a 18 de dezembro de 2001, descreveu os famosos três cenários reservados a Jonas Savimbi...: renúncia à guerra, deposição das armas e regresso ao protocolo de Lusaka, captura em combate e encaminhamento à justiça, morte em combate assumindo ele mesmo ( Jonas Savimbi) a responsabilidade ..qual foi a reacção de Jonas Savimbi?
GN- O dr Savimbi tinha entendido a mensagem, também tinha entendido as posições que as grandes potências tinham tomado em relação ao conflito e a ele . Ele tinha entendido. O pensamento dele naquele altura já era de um cessar-fogo. Ele aproximou as estruturas do partido para se falar do cessar-fogo. Eram estas as instruções que o partido estava a passar para fora a ver se saíssemos de uma situação de guerra para situação negocial ..O governo tinha outra estratégia.
VOA- A leitura que as algumas correntes fizeram na altura é que Jonas Savimbi de facto ia por aí, mas os cenários descritos pelo Presidente levaram-no a inflectir para a radicalização...caiu numa armadilha.
GN- Olhe , depois de termos recuado do Andulo e do Bailundo, poderíamos eventualmente radicalizar as suas posições, para procurar vantagens militares, mas sempre com finalidade de no momento exacto negociar. A UNITA já não tinha a pretensão de continuar a fazer guerra só por fazer.. A guerra visava sempre buscar posições negociais vantajosas...
VOA- Se falar com fontes autorizadas do Governo dir-lhe-ão seguramente que a UNITA naquela altura já tinha perdido a guerra há muito tempo.
GN- Luís .. cada uma das partes tem a sua forma de ver o problema ..Se no cenário da guerra tivéssemos todos as mesmas armas, de certeza que não haveria aqui ninguém a dizer que ganhou. O que aconteceu é que tínhamos as mãos atadas ..As sanções foram muito duras ..tiveram efeito sobre as populações..
VOA- Em que aspecto?
GN- As populações deixaram de ter assistência primária para a sua auto-sustenção .. medicamentos, alimentos .. bens primários
VOA- E como foi que isto afectou a UNITA?
GN- Vejamos..com as populações que apoiavam a UNITA completamente debilitadas ..a UNITA sentiu-se afectada ..Estas populações começaram a ser capturadas ..Seguiu-se uma política de esterilização das áreas sob controlo da UNITA.. a captura maciça de milhares de populares e a sua deslocação para os centros de acolhimento também teve efeitos.
VOA- Até que ponto é que as sanções pesaram nos custos das compras que a UNITA fazia?
GN- Afectaram muito .. A UNITA conseguia os meios que conseguia em parte como resultado da experiência de quadros nossos que estavam na clandestinidade ..e as sanções tiverem efeito até nisso..
VOA- O senhor estava com Jonas Savimbi..a este nível também se sentia os efeitos das sanções?
GN- Absolutamente.. Depois de recuarmos e te de termos perdido os aeroportos, deixamos de ter condições para receber meios que nos permitissem continuar com a guerra, sobretudo no Kuando Kubango e Moxico ..Os que estavam mais a norte e no centro, encontraram formas de agilizar linhas logísticas ; funcionaram as linhas logísticas do camarada Apolo, funcionaram também ainda que de forma débil as linhas que estávamos a criar a partir da Zâmbia..
VOA- O governo dá crédito com alguma razão, às pessoas da UNITA que foram sendo capturadas e que foram dando pistas sobre a situação da UNITA e o paradeiro de Jonas Savimbi...
GN- Luís ..numa guerra o elemento fundamental é a informação ..se tiver informação, tem 70 por cento da guerra ganha ..Toda a informação que obtinham eram de pessoas famintas, que não tinham alternativa ..Tivemos oficiais que estavam próximos da direcção, que se renderam e que deram informações ao governo que permitiram planificar melhor as operações.
VOA- A fome também atingia o generalato da UNITA?
GN- Absolutamente. Nos tivemos problemas sérios no fim, sobretudo com a ofensiva ..Internamente tivemos problemas de direcção, estes problemas não permitiram mudarmos a direcção da guerra em termos organizacionais, não fizemos isso por causa da inércia política que nos afectava internamente ..e a área que escolhemos para resistir acabou por resultar numa emboscada fatal ..Tivemos casos como do Kapapelo que morreu à fome ..muita mais gente ..gente garbosa, valente, ..por um pouco íamos perdendo o camarada Alcides...
VOA- Jonas Savimbi morreu a 22 de Fevereiro.. que agenda tinha ele para o dia seguinte ..não tivesse ele morrido quando morreu?
GN- Eu fiquei com ele de 19 a 22 , dia em que morreu ..Nestes dias fomos conversando ..Dias antes o Senhor Kalias, debilitado, deixou de acompanhar a nossa marcha, logo passei a fazer o trabalho do senhor general Kalias, e naquela altura a estratégia era única ..sobreviver ..sobreviver para negociarmos, sobreviver para unirmos o partido ..esta era uma estratégia bem clara na mente do dr Savimbi... por outro lado, nós também nos interrogávamos...O dr Savimbi encontrava-se numa situação difícil, em função das posições que os interlocutores da arena política quer internos quer externos tinham para ele ..para estas pessoas o Dr Savimbi era personna non-grata. E ele sabia disso ..mas para a direcção do partido, a estratégia era sobreviver para negociarmos e unirmos o partido ..sabíamos que existia a questão da Renovada, que era um problema sério para nós.
VOA- Mas em termos concretos para onde iriam? Era um lugar inóspito ..estavam cercados ..que mais podiam fazer ali onde estavam?
GN- Continuávamos a manobrar ..Era o grupo da presidência ..o Dr Savimbi, o camarada Dembo e outros oficiais .O camarada Gato tinha sido chamado para ir ao nosso encontro ..Continuávamos a manobrar na área exactamente para reunirmos mais alguns quadros. Isto tudo ocorre depois da 16ª conferência ..O Dr Savimbi pensou que o camarada Gato deveria vir com mais outros quadros para uma outra reunião que tivesse efeitos decisórios sobre a estratégia que ele foi evocando a partir da 16ª conferencia ..então fomos manobrando..
VOA- Houve sugestões de que o dr Savimbi estava a aguardar mantimentos que deveriam chegar pelas mãos de um general que acabou por morrer
GN- O generais que estavam ali a organizar a logística eram o camarada BlackPower , e o general Vinama.. e ele estão vivos...
VOA- General ..a UNITA passou pelo que passou, o dr Savimbi teve uma comissão de gestão, hoje tem um novo presidente ..que lhe parece a trajectória que a UNITA fez...
GN- A UNITA tem espaço em Angola, mas também tem de olhar para si, e entender que perdeu importantes pilares da sua estrutura ..não será em pouco tempo que conseguiremos construir isso. Esperamos que o camarada presidente Samakuva entenda isso ..ele tem de se virar para ai, para reconstruir estes pilares perdidos da UNITA, reconstruir a unidade do partido, para nos próximos anos pensarmos em vitórias, porque a UNITA está fadada a ganhar..
VOA- As próximas eleições?
GN- Não lhe vou responder, até porque não estou no activo ..não conheço bem quais são as forças que o partido está a mobilizar as forças que o partido está a agitar, a força dos quadros que estão no terreno, mas tenho a certeza de que a UNITA não irá decepcionar?
VOA- Este seu afastamento, é visto por algumas correntes dentro e fora da UNITA como sendo resultado em parte das fricções que houve por altura da eleição do novo presidente ..Estes problemas estão ultrapassados?
GN- Este meu auto-afastamento deve-se exclusivamente a uma razão que já expliquei ao presidente do partido: sou dos quadros que mais tempo ficou no interior; fui para o em 1974 quando me juntei à e ai continuei até ao fim da guerra. É altura de olhar para a minha formação ..quero formar-me, e voltar com mais força para contribuir quer para o partido quer para o país ..pois acho que a mentalidade tem que mudar ..temos que vestir primeiro a camisola do país, e depois a camisola do partido ..o que se passa hoje é o contrário ..As pessoas vestem primeiro a camisola do MPLA , da UNITA, da FNLA.. As pessoas partem dos partidos para Angola ..não deveria ser assim.. deveriam partir de Angola para os seus partidos.

Luís Costa, Voz d'América